‘Boyhood’ é autêntico como a vida

Boyhood‘, 2014

INDICAÇÕES: Melhor Filme, Diretor (Richard Linklater), Ator Coadjuvante (Ethan Hawke), Atriz Coadjuvante (Patricia Arquette), Roteiro original, Edição

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Já gostava do diretor Richard Linklater pela trilogia “Antes do amanhecer”, “… do Por-do-Sol”, “… da Meia Noite” e o amei um pouco após assistir a “Boyhood”. Não queria que o filme acabasse nunca. É daqueles que entram dentro de você pra levá-lo junto numa “viagem”.

E foi uma ótima viagem por 12 anos da família disfuncional do jovem Mason Jr. (Ellan Coltrane), que começa o filme com 8 anos e termina aos 20, interpretado pelo mesmo ator. Isso mesmo, a vida dele ao lado da irmã, Samantha (Loreley Linklater), e dos pais divorciados, Olivia (Patricia Arquette) e Mason (Ethan Hawke), são filmadas em tempo real. Assistimos aos atores envelhecerem e às crianças crescerem e se transformarem em jovens adultos de verdade.

Quem analisar “Boyhood” de uma forma rasa pode dizer que o diretor se preocupou mais com este recurso do que em contar uma história com começo, meio, fim, como uma lição bem explicadinha. Mas você não poderia estar mais enganado.

Linklater sabia exatamente o que estava fazendo. E a opção de levar 12 anos para fazer este filme teve tudo a ver com o início e o fim abertos dessa história. É a vida como ela é que o diretor  mostra e que, na maior parte do tempo, não faz sentido enquanto a vivemos.

Mason parece chegar a esta conclusão naquela parte da adolescência em que se começa a questionar e comparar as escolhas dos pais. Intuimos isso baseados na observação que o jovem faz das transformações por que passaram seus pais ao longo dos anos, já que Linklater não entrega tudo “mastigadinho” para chegarmos a reflexões óbvias – como 90% dos filmes de hoje fazem pra tornar a experiência mais fácil.

A certa altura, numa conversa entre pai e filho, Mason-pai faz um comentário irônico sobre ter se tornado, 20 anos depois, o pai de família convencional que a primeira mulher cobrava. “De que adiantou tudo então?”, questiona o jovem, que cresceu passando seus fins-de-semana com um pai músico, descolado em seu Pontiac e eleitor de Obama e o viu virar vendedor engravatado, marido de uma crente e genro de republicanos. “Não sei. Eu estou apenas vivendo”, responde o pai.

E Linklater soube aproveitar com muita tenacidade a escolha de se reunir com a equipe por alguns dias de cada ano para filmar. Pôde inserir com mais autenticidade na história o panorama e os modismos de cada época influenciando diretamente o comportamento dos personagens e suas relações.

Aos 10 anos, Samantha irrita o irmão fazendo covers de Britney Spears após a mãe ler para eles um dos primeiros livros da saga Harry Potter – anos depois, eles aparecem num lançamento cheio de pompa do sexto livro da saga. No Ensino Médio, a irmã pinta o cabelo de vermelho e ouve Lady Gaga. Poucos anos depois, quando a própria namorada não consegue desgrudar do seu smartphone hiperconectado, Mason decide abandonar o Facebook para “viver a vida real”.

Introspectivo, o personagem do garoto carrega todos os pontos de interrogação da história, mas ele não encontra respostas para todos (e nem sempre as perguntas estão às claras).

O filme termina sem lições ou moral da história, mas a sensação que deixa está longe de ser de vazio. Novamente somos convidados a apenas adivinhar o que significa aquele último meio sorriso de Mason – novo amor nascendo? respostas para seus questionamentos sobre o futuro e o tempo? Ou apenas enlevo ante a bela paisagem?

O que importa mesmo é que a história contada, por mais ficcional e aberta, soa verdadeira e autêntica… como a vida.