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No espelho, com minha idade

Antes de assumir meus cabelos grisalhos em definitivo, tentei por duas vezes deixá-los crescer sem tintura. Desistia sempre que o espelho me mostrava o inevitável: os fios brancos me envelhecem, sim!… por mais que o corte seja sofisticado, que eu use os xampus certos, que cuide para nunca amarelarem ou ficarem opacos e cinzas.

Só consegui após um acontecimento que mudou minha forma de me enxergar e ao mundo: um acidente de moto que me tirou de circulação por um ano inteiro – quebrei as duas pernas. Claro que não era uma prioridade sair para pintar o cabelo ou chamar alguém para fazê-lo em casa, quando apenas ser transferida da cama para a cadeira de rodas ou passar muito tempo sentada era torturante.

Durante o período de recuperação física, encontrei a coragem para me aceitar em frente ao espelho com a idade que tenho. É verdade que também ajudou a sensação de liberdade por não ter mais que me preocupar com retoques de raízes, reservar aquela grana para pagar a tintura no salão preferido (confiar no cabeleireiro é tu-do!) e uma hidratação caprichada nos fios ressentidos pelos maus-tratos da química.

Mas não me entendam mal: não sou, absolutamente, contra a tintura. Até porque eu mesma brinquei com as cores em minhas madeixas por 30 anos – comecei antes de aparecer o primeiro fio branco em minha cabeleira escura de neta de afro-brasileiro com índia (tenho um avô lituano também, mas suas características caucasianas ficaram todas para as minhas irmãs). Já as tive preto-azuladas, castanhas acobreadas, bicolores (vermelho na metade de baixo e preto na de cima), com mechas prateadas só em torno do rosto, luzes vermelhas no cabelo todo, californianas caramelo nas pontas… Enfim, nunca fui muito ortodoxa sobre isso e sempre encontrei cabeleireiros loucos o bastante para executarem minhas ideias.

Por incrível que possa parecer, porém, cultivei secretamente a vontade de assumir meus brancos por muito tempo, inspirada em minha mãe. Sempre achei lindos seus grisalhos ondulados, que quando longos caíam em cachos volumosos sobre seus ombros.

Mas se foi preciso coragem para enfrentar o espelho, vocês não imaginam o que foi encarar a “patrulha social”, exercida, inclusive, por pessoas queridas – às quais, aliás, dou a maior abertura para opinar e criticar qualquer coisa em mim, desde que eu não tenha que concordar sempre com elas.

Entre os questionamentos que ouvi de uma delas estava este, apresentado com voz e postura de indignação: “você, entre todas nós (da turma de faculdade) é a que ainda não tem rugas e pode passar por mais jovem de cabelos tingidos. Por que está optando por parecer mais velha? Se fosse ideologia, eu até entendia, mas por preguiça de pintar!”.

Foi quando me despertou a reflexão que proponho aqui, atiçada pelas seguintes questões: qual o problema de ostentar a idade que se tem? Juventude é um requisito indispensável à boa aparência? Por que principalmente nós, mulheres, temos vergonha de informar a idade? Mais: por que é deselegante perguntar a idade de uma mulher?

Ok. Tem a história do preconceito contra os mais velhos, que são tratados desde com indiferença até com desrespeito em muitos lugares, mas, primeiro: os errados são quem os destrata; segundo: fosse este o motivo, por que nos homens o grisalho é considerado charmosíssimo?

Não sou adepta do bordão “nunca me arrependo de nada” – fosse assim não teria aprendido com metade dos erros que cometi na vida -, mas não tenho vergonha de minha trajetória. Por que deveria ter do tempo que ela me custou?

Importante esclarecer também que não estou desistindo de minha vaidade. Quero, sim, sempre me sentir bonita e, na medida do possível, tornar-me uma idosa tão linda quanto acho minha mãe até hoje. E tanto não tenho preguiça de salão que agora comecei a brincar com os meus brancos. Acabo de tonalizá-los na cor azul (sai em cinco lavadas, mas é divertido enquanto dura!).

Ainda não recebi muitas avaliações sobre isso, mas pelo menos uma pessoa está amando a brincadeira: EU!

Por ora, é suficiente.