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Uma leonina chamada Jô

Um dia depois de enterrar seu primogênito, morto de repente, aos 52 anos, de problemas de que ninguém (nem ele) suspeitava que sofresse, Jovelina Helena Bortoluci Pelegrina – a dona Jô – fez tudo igual, como em todos os outros dias. Acordou às 6h da manhã, ligou o rádio sintonizado na estação local para ouvir as primeiras notícias, fez sua toalete, o café e ligou a TV no canal que transmite a missa do “Divino Pai Eterno” – nunca perde uma.

Coincidência ou não, neste domingo o padre falou sobre resiliência. Pude ouvir do quarto em que dormi com Márcio – seu caçula – alguns trechos do sermão: “é nos momentos difíceis que temos de exercitar a nossa fé. É nesses momentos que Deus espera de nós…”.

Eu quase podia ver, como se através da parede, sua cabeça balançando em concordância, o olhar reverente e as mãos cruzadas sobre o peito. Na hora dos cânticos, que conhece de cor, eleva a linda voz de soprano com vibrato natural em louvor, como fez em tantos outros domingos durante a missa.

Mas este não é um domingo qualquer. Além do dia seguinte ao enterro de seu filho mais velho, também é Dia dos Pais (o segundo que passa sem o pai de seus filhos, morto há 1 ano e meio de câncer), é seu aniversário de 81 anos!

Sim, Jô é leonina. Mas, apesar da juba exuberante, que mantém sempre tingida de ruivo para disfarçar os brancos, prescinde daquela auto-estima solar, típica dos nativos. Deve ter trocado sua cota por outra a mais de força, que tem de sobra.

Agora mesmo a ouço dar outra prova de como conjuga com tocante sabedoria essa força impressionante, temperada com muita humildade e fé.

Márcio vai lhe dar um beijo de “bom dia”. Ouço do quarto apenas sussurros ininteligíveis de sua voz embargada, mas a resposta de minha sogra sai nítida, tranquila e sem dúvidas: “Pensei muito. Eu não tenho o direito de… Deus me deu ele [seu filho] e Deus me tirou quando achou que era a hora. Não sou ninguém pra questionar”.

Esta é a parte em que esta virginiana, supostamente palavreira, fica sem mais palavras.