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Sobre a estranha ordem das coisas

Ler sobre o novo livro do neurocientista António Damásio, “A Estranha Ordem das Coisas” (editora Temas e Debates), fechou minha garganta com um sentimento de urgência. Faz todo sentido o que ele diz sobre a necessidade de se educar massivamente as pessoas para que não nos matemos uns aos outros, pois é preciso contrariar nossos instintos mais básicos, que nos impelem a pensar primeiro em nossa sobrevivência.

“O que eu quero é proteger-me a mim, aos meus e à minha família. E os outros que se tramem. […] É preciso suplantar uma biologia muito forte”, exemplifica ele à reportagem da revista Prosa e Verso, associando este comportamento a situações como as que têm levado a um discurso anti-imigração e à ascensão de partidos neonazistas pelo mundo.

Antonio Damasio: o neurocientista das emoções

Ele não se refere, porém, àquele modelo alienante de educação doutrinária, em que o educado não questiona nada. Percorremos as últimas décadas lendo e escrevendo livros, compondo e cantando canções contra ela, mas passamos reto pelo ponto de equilíbrio e fomos parar no outro extremo.

Nosso país elegeu um presidente que age como se estivesse sempre em guerra – contra os opositores, contra a imprensa, contra quem discorda – e que defende o armamento da população contra a violência sem perceber o brutal e infeliz paradoxo que isso encerra.

Temos sido educados pela cartilha do individualismo exacerbado, que também é um modo de alienação, pois ignora tudo o que for o outro.

Se não, como explicar que lemos todos os dias, sem nos abalar muito, sobre bandidos que atiram com facilidade em grávidas desarmadas, executam cidadãos comuns por meros bens materiais, promovem chacinas ordenadas por facções do crime organizado e sobre jovens que atiram a esmo em escolas e se suicidam em seguida?

Lemos e assistimos sobre essas selvagerias e continuamos tocando nosso dia, agradecendo intimamente que não aconteceram conosco.

Será que tornamo-nos indiferentes ao que ocorre ao outro?

Se não, por que não estamos nas ruas exigindo educação de qualidade para todos, em vez de ficarmos praguejando nas redes sociais contra esta “estranha ordem das coisas”?