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‘The Post’: registro essencial

Nunca admirei ou tive vontades relacionadas aos Estados Unidos, mas uma inveja eu tenho desses “primos ricos” da América: a forma como sua imprensa resiste às pressões de poderosos e mantém o legado dos fundadores da Constituição para defender a liberdade de expressão – arrisco-me a dizer, o bem mais caro da democracia e sua mais eficiente ferramenta de manutenção.

Ao menos é isso o que nos fazem acreditar filmes como “Todos os Homens do Presidente” (sobre o escândalo Watergate, que culminou na renúncia do presidente Richard Nixon), “O Informante” (que desmascarou a indústria de cigarros); e agora “The Post: A Guerra Secreta”, concorrente em duas categorias do Oscar deste ano (Melhor Filme e Melhor Atriz para… adivinhe… Meryl Streep!).

Como os dois primeiros títulos citados, “The Post” narra uma história real, ambientada nos bastidores da imprensa norte-americana, que opõe um poder muito maior à liberdade de expressão de um veículo de comunicação.

A história começa com o jornal The Times publicando trechos de um relatório confidencial do governo que prova que os cinco presidentes anteriores dos Estados Unidos mentiram sobre a real situação do país na Guerra do Vietnã, que ceifou milhares de vidas de jovens americanos.

Acionado na Justiça pelo governo, sob alegação de ter atentado contra a segurança nacional, o Times é impedido de continuar publicando a história, à qual o The Post também acaba tendo acesso.

Resta à proprietária do The Post – já desacreditada por ser mulher e por ter herdado o negócio em circunstâncias nada ideais – a decisão de publicar ou não a história. Pesam sobre ela o fato de que, na mesma semana, o jornal abria seu capital na bolsa de valores para conseguir sobreviver financeiramente – o que significa que, enquanto empresa, poderia até fechar por insolvência se os bancos o considerassem um “mal negócio”.

Traduzindo: Katherine Graham (Streep) tinha a perder tudo; a ganhar, apenas um subjetivo sentimento de missão cumprida.

Todos sabemos como esta história acaba, até porque, real, está registrada em livros e jornais. Mas retratá-la em filme garante-lhe um alcance exponencial, no que reside uma das grandes missões do cinema: tornar a história verdadeira conhecida pelo maior número possível de pessoas… fazê-la exemplar, eterna.

Desta missão o diretor Steven Spielberg se desincumbe com louvor.

Como cinema, “The Post” não é assim uma obra-prima digna de prêmios, mas faz-se obrigatório de uma forma muito competente e honesta. O que não é pouco. Mais que isso: é essencial!

‘Dúvida’: todas as certezas são frágeis

“Sempre tive medo de pessoas que têm certeza de tudo”.

Esta frase, que li há muitos anos, não sei em qual livro ou filme, ficou em minha memória para sempre. Hoje sei porque: as pessoas que mais temi na vida exerceram algum tipo de autoridade opressora sobre mim e este é o tipo exercido pela personagem que deu o Oscar de Melhor Atriz deste ano a Meryl Streep, no filme “Dúvida” (Doubt, EUA, 2009), de John Patrick Shanley.

A atriz interpreta (divinamente, como sempre) uma freira assustadora, que dirige com mãos de ferro um colégio religioso. Quando um dos padres professores profere em missa um sermão sob o tema “Dúvida”, ela passa a investigá-lo. Em dado momento, julga-o capaz de molestar o único garoto negro da escola, que, isolado, recebe dele apoio e atenção especiais.

O roteiro é hábil em despertar também em nós, espectadores, a dúvida sobre a culpa ou inocência do padre, mas, a mim, pessoalmente, causou muito maior assombro o comportamento autoritário da freira, que não vacila em acusá-lo, mesmo sem provas concretas. Para culpá-lo, ela maximiza evidências vagas relatadas pela jovem freira interpretada por Amy Adams, também indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo papel – o filme, aliás, rendeu quatro indicações de atuações naquele ano: além de Meryl e Amy, também para Viola Davis e Phillip Seymour Hoffman.

Assustadora esta freira que olha nos olhos de todos e diz exatamente o que deve ser feito, que não admite que possa haver outras versões para o que é certo, que acua a todos com suas certezas

O desfecho do filme reserva destinos surpreendentes aos antagonistas. Nada é o que parece ser e descobrimos que há algo de frágil na autoridade de quem não admite questionamentos. Se as certezas são sua sustentação, o que acontecerá a essas pessoas quando a mínima dúvida começar a corroer este pilar?

Com o tempo, também deixei de temer as pessoas que têm certeza de tudo, porque, no fundo, todas as certezas são frágeis.