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Cópia mal feita

Acabo de assistir a “Olhos da Justiça” (Secret in their eyes, 2015), de Billy Ray, supostamente a refilmagem hollywoodiana do argentino “O Segredo dos Seus Olhos” (El Secreto de Sus Ojos, 2009), de Juan José Campanella, que tenho como um dos filmes mais completos já realizados na história recente do cinema mundial.

Sério, como já disse em um post da época, o vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2011 reúne vários gêneros em um só roteiro – romance, comédia, suspense, terror psicológico e crítica política, tudo muito bem alinhavado e equilibrado – e atuações sensacionais de Ricardo Darin, Guillermo Francella e Soledad Villamil.

Já “Olhos da Justiça”, que dó! Salvo duas ou três frases-chave que manteve do primeiro e a espinha dorsal do argumento – ambos pauperrimamente aproveitados -, não sobrou nada da grande história da investigação de um estupro violento seguido de assassinato, que corria paralelamente à de um amor inconfesso, desembocando em uma trama de impunidade e suspense psicológico.

Hollywood não é uma indústria à toa. Possui uma linha de montagem de filmes destinada a produzir em série um mesmo tipo de produto, ainda que com penduricalhos de cores diferentes em cada exemplar para passar a ilusão de exclusividade, tal como as bonecas que saem de uma linha de produção, com o mesmo corpo e rosto, mas cabelos e roupinhas diferentes entre si.


tudo se apequena na refilmagem hollywoodiana


Daí que, no caso específico desta joia de roteiro, o processo foi de desmontagem de uma história cheia de subtextos e referências cruzadas para encaixá-la ao padrão hollywoodiano de produção. Assim, o título não guarda mais a dupla interpretação – os olhos apaixonados de Irene e os de terror da vítima de um crime -; o amor inconfesso de Irene e Benjamin torna-se um flerte frígido; a malha política que permitiu a impunidade e a perseguição dos mocinhos simplesmente desaparece; e os diálogos – ah, os diálogos, a maior perda – espirituosos e esquemáticos do original tornam-se frívolos e comuns.

Enfim, tudo se apequena na refilmagem hollywoodiana. E isso vale para as atuações também de Nicole Kidman e Julia Roberts, que se deixa enfeiar – mais – para o papel, mas nem por isso nos arrebata.

O andamento da história resulta tão previsível que sequer a surpresa do final chega a chocar de verdade, de tão “mastigada” que a trama é entregue ao espectador – pobre espectador ainda considerado como limitado por sua indústria de cinema, mesmo após Christopher Nolan ter provado que um roteiro intrincado e inteligente não é impeditivo para um filme vendável!

Enfim, fica a dica: se assistiu a “O Segredo de seus olhos”, não o desonre comparando-o a “Olhos da Justiça” e, se não viu, nem perca tempo com seu arremedo americano.

Vá direto ao original. Garanto que não vai se arrepender.

‘Estão Todos Bem’: simplesmente adorável!

Confesso que tenho um certo preconceito com versões americanizadas de filmes de outros países. Mas o diretor Kirk Jones saiu-se muito bem ao adaptar “Estão Todos Bem” (Everybody’s Fine, EUA, 2009), baseado no italiano “Stano tutti bene” (ITA, 1990), de Giuseppe Tornatore (“Cinema Paradiso”).

É verdade que o roteiro perdeu  sutilezas e algum mistério em relação ao original (americanos não resistem a entregar tudo “mastigadinho” ao espectador), mas, em compensação, nos brinda com uma atuação nada usual de Robert De Niro, como um pai terno, daqueles que a gente quer pegar no colo. É a melhor coisa do filme!

De Niro assume o papel que foi de Marcelo Mastroianni no original italiano. Como o viúvo Frank (Francesco no  original),  decide contrariar conselhos médicos para embarcar numa longa viagem pelo país para ver os quatro filhos adultos, estabelecidos cada um em uma cidade diferente. É que pela primeira vez em muito tempo todos avisam, em cima da hora, que não passarão o Natal com ele.

É de  uma tremenda ternura ver o personagem preparar a casa e fazer compras para receber os filhos; depois juntar pertences e remédios para sair pelo mundo atrás deles e, durante a viagem, impor seu orgulho a qualquer estranho desavisado que abra uma brecha pra ele falar da prole.

De Niro confere ao personagem uma fragilidade e uma ternura que julguei impensáveis em um ator acostumado a contorcer-se em caretas e grunhidos de personagens os mais truculentos (policiais, mafiosos, boxeador, assassino, psicopata… a lista é grande). Reparem na dignidade com que incomoda o ritmo frenético das cidades grandes para registrar lembranças em uma câmera antiga, que ainda usa filmes fotográficos. Faz a gente pensar sobre quão pouca importância damos às coisas simples, ao parar para olhar o mundo e o outro, em meio a tanta velocidade que nos é exigida no cotidiano.

Simplesmente adorável!