‘Birdman’: lirismo na telona

Com nove indicações ao Oscar 2015, “Birdman – ou a Inesperada Virtude da Ignorância” é o concorrente mais out-Hollywood da mais hollywoodiana das premiações do cinema.

O filme do mexicano Alejandro Gonzales Iñarritu tem características que, juntas ou sozinhas, seriam suficientes para desagradar 90% da audiência acostumada ao formato videoclípico das produções comerciais. Vejamos: o ritmo lento das cenas está mais para o estilo do cinema independente do que para as produções de ponta; um solo de bateria é o que mais se ouve por todo o filme, à guiza de trilha sonora; é repleto de tomadas contínuas em que a câmera acompanha os personagens pelos claustrofóbicos bastidores de um velho teatro; tem diálogos robustos pontuados por longos silêncios; e o protagonista está longe de ser um galã – bem ao contrário, Michael Keaton não deixou de ser considerado de segunda linha nem após ter protagonizado dois “Batman” de Tim Burton.

Mesmo com tudo isso, Iñarritu faz a mágica acontecer. “Birdman” deixa-se assistir facilmente e com prazer ao mostrar como o ator Riggan Thomson tenta reerguer a carreira decadente com uma peça de teatro que ele próprio roteiriza, produz, dirige e na qual atua, após recusar-se a protagonizar o quarto do filme do super-herói que o celebrizou – o do título.

Pelos bastidores do teatro da Broadway que ele aluga desfila uma galeria de tipos representativos do showbizz. O galã rebelde Mike, por exemplo, que chama bilheteria por seu marketing polêmico, simboliza a egolatria que acaba asfixiando a identidade de algumas celebridades. Ator orgânico, só sente-se autêntico no palco, quando todas as atenções estão voltadas para si, mas é uma fraude na vida pessoal.

Emma Stone está ótima – como sempre – na pele da deslocada filha de Riggan, que vira sua assistente após deixar a reabilitação pelo uso de drogas. Suas cenas rendem os melhores diálogos e metáforas. A melhor é a do papel higiênico em que ela passa uma parte das cenas desenhando rabiscos que representam os anos de existência da Terra. Riggan limpar o nariz com o pequeno pedaço do rolo que simboliza o tempo em que a humanidade está no mundo é a melhor amostra do humor muito original que permeia todo o filme.

E a ressentida crítica teatral, pré-disposta a destruir qualquer produção estrelada por celebridades que ousam pisar o sagrado solo do palco, parece uma vingança perfeita do diretor contra esta odiada figura do showbizz.

Mas as melhores cenas são, disparado, aquelas em que Riggan é assombrado por seu fantasma pessoal, que não é ninguém menos que o super-herói Birdman. É o seu ego incitando-o o tempo todo a abandonar aquela ideia quixotesca de ser reconhecido como um “artista de verdade”.

Quando os problemas fazem Riggan entregar os pontos, seu alter ego assume o controle e então o filme fica mágico!

Tudo isso é alinhavado por uma montagem suave, lírica. Quando percebemos, já é outra cena, outro dia, uma outra prévia no palco. Iñarritu nos leva de uma cena a outra com leveza e poesia visual.

Isso é saber “fazer cinema”!