Categoria: Música

Playlist

“Sem motivo vou vivendo por aí por viver
Meus valores tão confusos reprimidos por você
Troco passos sem sentido pelas ruas
sem saber aonde ir”

Escrevo com o humor encantado, esparramado na rede imaginária dessa música do Roberto Carlos na voz do Nando Reis, que fez o favor de fazer um álbum inteiro dedicado à obra do “Rei” (“Não sou nenhum Roberto mas às vezes chego perto”). Já amo o Roberto desde criancinha, mas achei de uma covardia varonil juntar ele com uma de minhas paixões musicais de adulta.

E o Nando canta “Vivendo por Viver” com lágrima escondida na voz de veludo, demorando em pausas, com um violino criminoso chorando ao fundo. Só pra ferrar de vez meu coração, já afundado até a última artéria na melancolia alucinógena que certos sons acordam em mim.

Passamos, eu e o Márcio, partes da tarde e noite de ontem hipnotizados por essa descoberta, feita ao acaso, enquanto percorríamos vídeos musicais no youtube – os dois buscando, desesperadamente, desintoxicação dos humores doloridos de ver tanta notícia de morte lado a lado com as de politicagem, ódio e descaso explícito neste tempos de covid-19.

E o Má tirou a música no violão só de ouvir. Nem pediu pra eu pegar cifra na internet. Igual quando viu a Adriana Calcanhotto cantando “Vambora” na live do Sesc, semana passada – sabe que minha voz dá certinho pro tom dela e que adoro!

Entre por esta porta agora/ Você tem meia hora/ pra mudar a minha vida”.

Antes disso, playlist encantada com canções de Marisa Monte, que deve ter roubado a voz de algum anjo, porque… Jesus!… como pode alcançar regiões tão escondidas do ouvido da gente! Ela toda classuda e senhora do palco e da plateia, dando um ar de haute-couture a uns modelitos que em qualquer outro mortal ficariam cafonas… e transformando umas letras quase bobinhas em músicas de transcender com aquela voz… ai! Se eu não fosse eu mesma nesta vida, a única pessoa que ia querer ser seria a Marisa!

Na varanda quem descansa / Vê o horizonte deitar no chão/ Pra acalmar o coração/ Lá o mundo tem razão

E ela cantando com o tremendão, fazendo eu me perguntar por que não ouço tanto “Mais um na Multidão”, dela com o Erasmo e o Brown (“Você pensa em mim, e eu penso em você/ Eu tento dormir, você tenta esquecer/ Longe do seu ninho, meu andar caminho”). E lembro que a Marisa ainda canta Roberto (“De que vale tudo isso se você não está aqui”).

E o Roberto, aliás, vou falar, viu! Vai construir fossa gostosa de sentir assim na Indochina! Quase lamento ele ter parado de sofrer na década de 1990, quando passou a compor umas letras menores – pra gordinha, baixinha, caminhoneiro (afff!).

Pensava nisso quando entrou de surpresa “Veja (Margarida)”, do Geraldo Azevedo, que o Marcelo Jeneci regravou pra novela “Velho Chico” e estava na sequência da playlist do meu Apple Music (Veja você, arco-íris já mudou de cor/ E uma rosa nunca mais desabrochou/ Com esse gosto de sabão na boca). Uma singeleza de ouvir rezando!

E deixa estar que o Geraldo Azevedo também tem umas músicas de arrepiar! Vou nele daqui a pouco, mas, por ora, acho que vou colocar “Vivendo por viver” no repeat (de novo) pra estremecer mais um pouquinho de fossa – que, verdade seja dita, só é gostosa de sentir quando a gente não está sofrendo de verdade por amor.

Parece que hoje o universo todo está mancomunado – ou, talvez, seja a tal da física quântica – pra que todos os sons mais lindos venham salvar a gente de sucumbir à tralha asfixiante desse todo-dia-de-quarentena-da-covid-19-sem-emprego-e-trabalho-free-lancer.

Graças a Deus pela música!

Amém, senhor.

Amor de turma

Uma vez, assistindo na TV a um encontro de bandas brasileiras de rock dos anos 1980, ouvi de Paula Toller (ex-Kid Abelha) a expressão “amor de turma”, referindo-se ao sentimento que unia todos os músicos ali. Nunca mais esqueci, até porque ela volta à minha memória toda vez que me reencontro com um repertório de rock daquela época.

No último 4 de agosto a expressão me voltou enquanto eu ouvia a banda 33, de Ribeirão Preto, e depois o Ira! (com os remanescentes Nasi e Scandurra), no Invicta Nocaute Festival, evento de fábrica de cerveja artesanal de minha cidade.

Nasi continua desafinado e Scandurra arrasando na guitarra, que ele ainda toca invertida, porque canhoto (feríssima!).

Ainda é o Ira! E o “amor de turma” estava lá.

Gordo (que é bem magro, por sinal…rs) à direita na foto

Mas os melhores momentos foram com a banda 33, do “Gordo” (que é bem magro, na verdade…rs), baixista da minha época de faculdade, que eu não assistia há uns 20 anos, pelo menos. Ele já curtia rock naqueles tempos. Pelo repertório da sua 33, ainda curte os mesmos de então… os mesmos que eu, que todos nós naqueles anos de poetas jovens, bem letrados e idealistas, do quilate de Renato Russo, Herbert Vianna, Cazuza…

“Disciplina é liberdade / Compaixão é fortaleza / Ter bondade é ter coragem”

“We will… we will rock you!”

“Se eu tô alegre eu ponho os óculos e vejo tudo bem…”

“See the stone set in your eyes / See the thorn twist in your side / I’ ll wait for you…”

“Migalhas dormidas do teu pão / raspas e restos me interessam”

Gordo é irmão do “Véio” (Evandro Navarro), também músico, mas mais da MPB. Família abençoada deve ser esta, de gente que faz música com competência e brilho nos olhos.

Que bonito ver pessoas que não deixaram o tempo e as demandas da sobrevivência traírem suas vocações, que fazem de uma paixão seu projeto de vida!

Bom demais ver que o Gordo, grisalho (cinquentão?), ainda se arrepia cantando músicas de nossa época! Na “saideira”, com o público todo cantando à capela “Pais & Filhos”, do Legião, mostrou tatuagens nos dois braços. Entendi que deviam ser os nomes dos filhos (acertei, Véio?).

“Você culpa seu pais por tudo / Isso é absurdo / são crianças como você / o que você vai ser quando você crescer…

Ave, música!

Valeu, Gordo!

Beijo, Véio!

“É nóis”!

Meu Ofertório

A gratidão é um sentimento tão bom de sentir!

Hoje meus agradecimentos são múltiplos.

Obrigada a Caetano por existir… por ter tido Moreno, Zeca e Tom.

Obrigada a Moreno por ter aceitado a herança leve e diáfana de seu pai… obrigada a Zeca e Tom por saírem a sua imagem e semelhança e ainda assim serem tão únicos.

Obrigada por assimilarem a liberdade de um rebolado, de um beijo masculino no rosto de outro homem, por compartilharem seus dons, que em vocês Deus abençoou com tanta generosidade.

Obrigada por suas vozes tão exatas em meus ouvidos, por seus carismas arrebatadores, seus acordes tão além de tudo.

Obrigada Caetano… mil vezes obrigada por tornar a trilha sonora de minha vida tão rica, prazerosa e poética. Porque poesia transcende e preciso sair de mim de vez em quando para não enlouquecer ou morrer em vida.

Obrigada por todas as suas músicas, mas particularmente hoje por “Sem Lenço, Sem Documento”, “Trem das Cores”, “Oração ao Tempo” e principalmente “Força Estranha”… porque entendo sobre forças estranhas que nos levam a cantar e cantar e cantar… “por isso é que eu canto e não posso parar”.

Obrigada a todos os músicos da minha vida por alcançarem dentro de mim códigos que só a poesia sabe acessar… obrigada por emergi-los e inundar com eles meu consciente, fazendo transbordar emoções até então insuspeitas.

Obrigada Deus pela capacidade de transcender pela arte que coloca dentro de cada um de nós.

E por fim, obrigada meu amor por compartilhar tudo isso comigo.

Amém.

Obrigada, Paralamas!

Chorei sim! E não foi a primeira vez em um show do Paralamas do Sucesso.

Há alguns anos, no Sesc Araraquara, era a primeira vez que via Herbert Vianna no palco após ele quase ter morrido numa queda de avião. O vocalista e guitarrista ainda não formulava bem as frases. Seu cérebro se recuperava do acidente grave que levou a mãe de seus três filhos, mas a (grande) habilidade na guitarra continuava lá, e o som do Paralamas, que por muito tempo achamos que não faria nada novo, seguia vigoroso, vivo, eletrizante! Como não se emocionar sendo fã de carteirinha?

No último sábado, em Ribeirão Preto, o show da turnê “30 Anos” não era para chorar. Bem ao contrário… uma paulada sonora, que a acústica perfeita do Centro de Eventos do RibeirãoShopping turbinou bem!

Por 1h inteira, sem paradinhas pra respirar, Herbert, Bi (no baixo) e Barone (bateria) e seus fieis escudeiros (o tecladista João Fera, o saxofonista Monteiro Jr. e o trombonista Bidu Cordeiro) encadearam alguns dos melhores exemplares do seu rock brasileiro com pegada latina: “Vulcão Dub”, “Alagados”, “Cinema Mudo”, “Ska”, “Perplexo”, “O Calibre” (rockaço!), etc, entremeados de baladas não menos empolgantes, como “Lanterna dos Afogados”, “Tendo a Lua”, “Quase um Segundo”.

O público até se manteve – visivelmente a contragosto, a julgar pelas “cadeiras dançantes” – sentado por boa parte do show, como obriga a estrutura da sala. Mas então, lá pela 10ª, 11ª sequência, “Meu Erro” explodiu do palco e pareceu uma ação combinada: não teve quem, de adolescentes imberbes a sessentões (tinha de todas as idades), não chacoalhasse os esqueletos. E seguiu assim por “A Novidade”, “Melô do Marinheiro”, “Perplexo”, “Loirinha Bombril”…

E em “Óculos”, quando Herbert editou o refrão – “por cima dessas rodas também bate um coração”-, uma ovação foi a resposta.

No Bis, mais alguns sucessos e covers de “chegados”, como Lulu Santos e Ultraje a Rigor. Pra não perder a verve de contestação que sempre os acompanhou, “Que País É Este”, do Legião, encerrou com chave de ouro.

Claro que cantei todas, dancei todas, sentada, em pé… e chorei em algumas. Novamente de gratidão. “Vi o meu passado passar por mim”: a adolescente problemática, a jovem adulta batalhadora, a mulher madura estressada… para todas o som desses caras criaram oásis de alegria e festa no meio de cotidianos difíceis. E os versos enganadoramente banais de Herbert sempre me falaram muito mais do que as palavras que eles encadeiam: “Eu hoje joguei tanta coisa fora” – a lição de desapego de “Tendo a Lua” muito menos sobre “cartas e fotografias” do que “gente que foi embora”.

Fico pensando se nossos ídolos fazem alguma ideia do quanto entram em nossas vidas e as influenciam. No caso dos Paralamas, pulsa em mim um “amor de turma” – para citar a Paula Toller – cheio de gratidão, ternura e reverência. Se eu nunca tiver a oportunidade de dizer isso pessoalmente a eles, que fique ao menos este testemunho público: obrigada, caras! Vocês trouxeram (trazem) muita alegria à minha vida.

Verdade (sem) ilusão: showzaço!

“Olha as vozes de Ribeirão, que lindas! Eu acho legal o negócio do backing [vocal] (…) que é uma coisa que as meninas fazem naturalmente, é a praia delas. Mas os rapaaazes… ah, a solidariedade dos rapazes na hora do backing me mata!” (risos).

Com este comentário, feito com sua voz rouca e lânguida ao fim do primeiro “bis” de seu show em Ribeirão Preto, Marisa Monte deu o golpe de misericórdia na plateia, que já acompanhava totalmente entregue sua performance no palco do Centro de Eventos do RibeirãoShopping no sábado, 26.

Àquela altura, o público assistia aos últimos instantes de “Verdade, Uma Ilusão” de pé, reverente, dançando e cantando junto, mas deixando claro, com as palmas intermitentes, que não estava a fim de ir embora.

Em minha primeira vez vendo Marisa ao vivo, senti-me acompanhada na devoção, não só à voz e ao carisma de uma de nossas maiores intérpretes, mas à magia de que qualquer boa música é capaz: despir homens e mulheres de preconceitos e converter as energias individuais de cada um em uma só vibração harmônica.

O fato de homens afinarem a voz para o backing vocal e mulheres atirarem gritos de “maravilhosa” ao palco, sem medo de julgamentos alheios, mostra do que é possível uma boa música. Interpretada por uma Marisa Monte, então…

A produção do show que divulga seu último álbum – “O que você quer saber de verdade” – não tem aquela pirotecnia tecnológica de que muitos artistas têm lançado mão ultimamente para justificar a saída de seus fãs de casa.

Os recursos de produção são simples: basicamente projeções – de textos poéticos, de obras de artistas plásticos brasileiros, de imagens de coisas e gente – extrapolando os limites do palco ou apenas luzes mudando a cor de fundo do cenário.

Na interpretação de “ECT”, por exemplo – que ganhou um arranjo “matador”-, ora palavras isoladas, ora trechos de músicas e poesias envolviam o palco e se ampliavam para as paredes laterais da área VIP.

Para hipnotizar, Marisa também não precisa fazer incontáveis trocas de roupa – a certa altura só tira o vestido preto que veste sobre outro branco – e nem acompanhar bailarinos profissionais em performances coreográficas, como as divas pop de hoje acham tão necessário. Se simula uns passos solo de bolero em “Depois” é de forma teatral, porque o clima da música o pede. Assim torna clara sua reverência à música e não ao espetáculo.

Musa, simula humildade ao apresentar os músicos que a acompanham: feras do quilate de Dadi (de A Cor do Som, banda do Zé Pretinho, shows de Caetano e por aí vai), do power trio da Nação Zumbi – baterista Pupillo, guitarrista Lúcio Maia e baixista Dengue -, além de Carlos Trilha (teclados e sopros) e o quarteto de cordas com Pedro Mibielli, Glauco Fernandes, Bernardo Fantini e Marcus Ribeiro.

Gera cumplicidade com o público, contando histórias de algumas músicas, como a de “Ainda Bem”, trilha de novela da Globo que ela queria gravada em parceria com a reclusa cantora italiana Mila – acabou cada uma cantando sozinha em seus respectivos discos.

Na hora de “A Sua”, a sala fica toda escura e só a intérprete recebe sobre o corpo um jato de luzinhas simulando estrelas, que também escapam para uma faixa do fundo do palco.

Pura poesia visual!

A mágica funciona por todo o setlist, que incluiu ainda “O Que Você Quer Saber de Verdade”, “Descalço no Parque”, “Arrepio”, “Ilusión”, “Amar Alguém”, “Diariamente”, “Infinito Particular”, “De Mais Ninguém”, “Beija Eu”, “Eu Sei“.

Ao fim de 1h30 de enlevo, resta uma verdade que não tem nada de ilusão: showzaço!

U2 360 – Viagem multisensorial

Os meses de expectativa, as horas de ansiedade e o Profenid para calar a lombar ressentida com as horas em pé não foram absolutamente nada perto da indescritível experiência de assistir ao show “360º”, do U2. Não acreditem nos vídeos gravados, nas fotos reproduzidas, nas críticas escritas nos noticiários… ESTAR LÁ é único… irreproduzível… mas vou tentar…

Eu e Ma na plateia

Foi preciso estar no Morumbi no sábado (9/4) para entender que assistir a um show de uma banda como esta não vale só por ver seus ídolos cantando ao vivo, a menos de 100 metros de você. A energia que lhe envolve quando suas voz e emoções entram em sintonia com as de outras 90 mil pessoas, somado às sensações multisensoriais provocadas pela produção apoteótica, transcendem mais do que qualquer droga.

Tenho certeza que as críticas jornalísticas vão falar mais apropriadamente da produção épica do show… eu falo aqui é de emoção, identificação, comunhão pela música.

Às vezes parece que você está em uma nave, viajando por um universo paralelo, mas não longe o bastante da antena de conscientização que Bono ativa quando, por exemplo, evoca as palavras de Desmond Tutu na introdução de “One” (Má, meu amor, foi mágico ouvi-la ao seu lado!) ou quando nos lembra que há apenas dois dias um massacre de inocentes deixou 12 famílias enlutadas no Rio… embarcamos em “Moments of Surrender” assim, com os olhos marejados pela visão dos nomes das 12 crianças assassinadas no telão… as mãos levantadas empunhando celulares em obediência ao pedido de Bono.

Do ponto de vista de produção, a mise-em-scene audiovisual arquitetada para “City of Blinding Lights” deve ser apontada como ponto alto do show… o telão esticando, como se de elástico, formando um funil do teto ao chão do palco, mas ainda reproduzindo imagens gigantes de Bono, Adam, Larry e The Edge… as luzes lançadas do palco para o céu, coalhando de figuras abstratas a tela de nuvens – até elas, obedientes, aguardaram quietinhas o fim do show para cair em forma de chuva (as capas só valeram para a apresentação de abertura, com a Muse… também surpreendente!).

Mas, para mim, o melhor da noite foi sentir a força do som surround injetar a bateria inconfundível de Mullen por todos os meus sentidos na introdução de “Sunday Bloody Sunday” – hino supremo de minha relação com a banda … quase estourei os pulmões cantando-a junto e pulando como uma macaca nos refrões.

E o que foi o Bono se balançando pendurado ao microfone circular, suspenso por cabo de aço, na hora de “Ultra Violet”?!… kkkkkkkkkkk… SENSACIONAL!!! Adoro pessoas que não temem o ridículo, pois tenho pra mim que não se levar muito a sério é o melhor remédio contra a velhice.

Breno, lembrei de você na hora de “Beautiful Day”. Você e a Jana teriam adorado!

E vimos Bono se emocionar com o coro do público entoando por ele “Where the streets have no name”, “Help”(Yes, we love Beatles too) e teimando no Oh-Oh-Oh OhOhOh de “Moments of Surrender” muito depois do último acorde soar… Ele agradeceu emocionado.

Deu até para perdoá-lo por ficar me devendo cantar “Pride (in the name of Love)”, “Original of the spieces”, “Sometimes you can’t make it on your own”, “Stay”… (suspeito que seriam necessários  dois shows pra eu ouvir todas as minhas preferidas da banda😊).

Foi tudo grandioso… uma viagem tão hipnotizante que ao final das mais de 2h de show parecia que não havia passado nem 1h… mas acabou. Que pena!

 

P.S. Quase ia me esquecendo… Aldo, Roberto, Val, Tati e Fabinho… vcs foram companhias fantásticas!

Com Michael Jackson, a música encontrou a linguagem do cinema

Cena 1:
– Conversível que leva um jovem e bonito casal para, sem gasolina, em uma rua escura;
– Eles saem caminhando e aproveitam para conversar, se declararem.
– O rapaz começa a dizer que não é como os outros caras que ela conhece
– Enquanto isso uma lua cheia sai detrás de um manto de nuvens no céu
– O rapaz começa a contorcer-se em caretas até se transformar em um monstro, diante dos gritos da mocinha;

O que começou como um filme romântico agora parece um thriller de terror.
E é!
Assim começa “Thriller”, de Michael Jackson, o videoclipe com de mais de 13 minutos de duração (até hoje um recorde para o gênero) que revolucionou a forma como se fazia vídeos musicais até então. Depois dele – e de muitos outros clipes de Michael desta época, como “Beat it” – nunca mais esse tipo de produção se restringiria a apenas encadear cenas de shows ao vivo ou de músicos dublando as próprias gravações em um cenário imóvel.

Os clipes de Michael eram diferentes e super-produzidos. Contavam uma história, assemelhando-se por isso a curtas-metragens, mas ao mesmo tempo diferenciando-se deles pela forma fenomenal como combinavam números de dança e música a hipnotizarem o espectador.

Com o sinal verde de Michael para casar da melhor forma a força de sua música à imagem em movimento, os diretores de seus clipes, recrutados no cinema, como John Landis e Spike Lee, deixavam a criatividade rolar, sempre auxiliados pela melhor e mais recente tecnologia que o dinheiro podia pagar. Vide “Black and White”, primeiro clipe a usar o efeito morfo para mostrar imagens de pessoas de várias raças transformando-se umas em outras, ou “Stranger in Moscow”, que usou o recurso da câmera ultra lenta de uma forma inédita para a época.

A lista de videoclipes memoráveis não para aí e inclui, só para ficar entre os meus favoritos, “Smooth Criminal”, “Heal the World”, “Earth Song”, “Childhood” (além dos primeiros citados acima).

Michael Jackson pode não ter sido o idealizador de todas as músicas deliciosamente dançantes ou de todos os clipes fantásticos que protagonizou, mas ter sabido se cercar das melhores cabeças do ramo já era uma prova irrefutável de sua genialidade. Não por acaso tudo o que fazia virava ouro – digo, milhões de dólares.

Mas nem os orçamentos milionários, nem diretores de cinema ou as tecnologias de última geração fariam desses videoclipes o sucesso que são até hoje não fosse um componente fundamental: o TALENTO do próprio Michael Jackson. Fora dos palcos ou das câmeras ele parecia um sujeito mirrado, magricela, de voz infantil e identidade sexual duvidosa, mas à frente deles transformava-se em um gigante, um fenômeno!!! Um showman de carisma, presença e ginga até hoje incomparáveis e sem similares na história da música pop.

Restrinjo-me aqui a comentar apenas a parte de sua carreira que “namorou” com o cinema por motivos óbvios [é um blog de cinema, minha praia…], mas confesso que, a despeito de todas as polêmicas e escândalos que rondaram sua vida pessoal, sempre AAA-DOOO-REEEEI o trabalho de Michael e nunca dei a mínima para os preconceitos dos puristas, sempre contrários, por princípio, a tudo o que faz sucesso em escala de massa.

Não dá para ninguém negar. O cara era talentoso!

Até hoje sinto saudades de como novas músicas e videoclipes seus me faziam sentir.