‘O Som ao Redor’: sociedade entrincheirada

Cena de ‘O Som Ao Redor’: A classe média entrincheirada

O diretor Kleber Mendonça Filho não poderia ter sintetizado melhor o principal mote de “O Som ao Redor”, no bate-papo que se seguiu à aguardada primeira exibição de seu filme no Cinépolis Ribeirão, na noite de sábado (15/6). “Nenhum outro país tenta dividir tanto o público do privado como o Brasil”.

O retrato que ele faz do cotidiano de famílias que vivem em uma só rua de Recife é também o retrato de toda a classe média brasileira que habita as cidades, com sua profusão de muros, grades e portões. Barreiras construídas pelo homem para proteger e separar… para barrar a criminalidade, mas que abortam também o convívio, o contato e a troca com o outro.

Não por acaso a maior parte do filme se passa em espaços fechados… as janelas mostrando uma floresta de concreto, as famílias aprisionando seu lazer entre muros e se entrincheirando atrás das grades das janelas.

Apenas os sons não obedecem a tais barreiras, como o uivo do cachorro que invade a casa vizinha à noite, impedindo o sono da dona de casa que adora fumar maconha. “O som é mal educado… ele atravessa os muros sem ser convidado”, pontua Mendonça.

Mas o retrato traçado por “O Som ao Redor” tem muitas outras nuances. Como o ranço de coronelismo que ainda rege a ordem das coisas na rua, onde um certo latifundiário de nome Francisco, antigo proprietário da maioria dos imóveis da região, ainda espera ser consultado quando qualquer serviço novo é oferecido por ali.

Um desses serviços é o de guardas-noturno, que traz consigo outra nuance do retrato: a facilidade com que a classe média paga por qualquer nova sensação de segurança. E com ela, outro entrincheiramento e, paradoxalmente, uma brecha em sua privacidade – os guardas controlam seus cotidianos e horários; às vezes recebem as chaves de um vizinho que viaja a pretexto de que molhem suas plantas.

E no final, a derradeira ironia… os últimos sons que se ouve naquela vizinhança são dos mais “mal-educados” e prestam-se a uma – talvez duas – vingança. Mas o espectador sabe que é muito barulho por nada… pouco deve mudar neste retrato.