‘Precisamos falar sobre o Kevin’: perturbador

Woooow!

Desculpem se tento reproduzir paupérrimamente o som alto do meu respiro em busca de ar após ler à última linha do livro “Precisamos falar sobre o Kevin”, de Lionel Shriver (adianta dizer que procurei o e-book motivada pelo trailer do filme, para justificar a introdução da literatura neste blog inicialmente só de cinema?). É na melhor das intenções que tento prevenir leitores/espectadores impressionáveis como eu sobre sua história emocionalmente devastadora.

Foi ao mesmo tempo intoxicante e cáustico submergir na descrição honesta de uma mãe sobre a guerra psicólogica, muda e não-declarada que travou com o próprio filho sociopata durante 15 anos de suas vidas.

Em cartas endereçadas ao marido, a empresária e mãe de família Eva Katchadourian inventaria sua vida familiar desde a decisão – vacilante de sua parte – de terem um filho, até a tarde de uma quinta-feira que mudou para sempre toda a sua vida e as de outras 11 famílias que perderam entes queridos no assassinato em massa levado a cabo por seu filho adolescente.

Entre lembranças, sentimentos e questionamentos desconcertantemente honestos, Eva descreve também suas visitas ao filho na casa de correção para menores, a atenção da mídia ao caso e as reações dos outros a ela mesma após a tragédia, que variam de uma maquinal piedade cristã à uma condenação feroz. Tudo embalado em um robusto, talentoso e saborosamente bem escrito texto (ah… isso sempre me pega!).

Engolfada em aflições por Eva – sempre entro demais nas histórias -, varei a noite com olhos e mentes colados à narrativa, que eu não recomendaria a pais incautos ou candidatos vacilantes aos postos. Os questionamentos com que Eva tempera seu inventário de culpas são tão legítimos que podem facilmente abalar concepções idealistas de família, carreira, maternidade, paternidade e afins, para o que o personagem de seu marido (o típico pai-americano-ideal, sempre pronto a acreditar nas boas intenções do filho em detrimento das leituras certeiras da mulher) não contribui em nada.

Mas o autor guarda uma armadilha aí, que, claro, não contarei aqui, pois ela se revela no fim do livro. Mas posso adiantar que a narrativa nos brinda com raras sugestões de que Kevin não é completamente destituído de sentimentos como todos os seus pequenos atos vis em família ou em seu círculo social fazem crer. É como se (e esta interpretação é inteiramente minha) todo o seu calculismo e vilania se prestassem ao único objetivo de atingir a mãe, mais com o objetivo de conseguir sua aprovação e admiração do que pelo ódio que faz questão de demonstrar.

Será que estrago alguma coisa ao contar que, quando acreditamos que nada será pior do que o assassinato em massa de Kevin, o autor nos brinda com um clímax ainda maior perto do final?

Peço desculpas se for o caso, mas não resisto a justificar minha total reverência à construção narrativa do autor.

Para resumir, apesar de ter sido uma das experiências literárias mais desconfortáveis que já tive, “Precisamos falar sobre o Kevin” figurará, para sempre, na minha galeria pessoal de leituras inesquecíveis.