‘This Is Us’ e as marcas da infância em nós

Um casal apaixonado é obrigado a interromper a comemoração de aniversário do marido porque a mulher entra em trabalho de parto dos trigêmeos que esperam. O parto transcorre difícil. Um dos bebês morre e, em meio ao luto, o marido decide adotar, no lugar do filho perdido, um recém-nascido abandonado que chorava no berçário do hospital ao lado dos filhos sobreviventes. O grande e essencial detalhe é que aquela família branca leva para casa um casal de filhos biológicos de sua cor e um adotivo negro.

Assim começa a história da família Pearson, protagonista da série norte-americana “This Is Us”, da NBC, exibida no Brasil pelo canal Fox Premium e disponibilizada (com uma temporada de atraso) na plataforma de streaming da Amazon, Prime Vídeo.

Nem sei explicar por que demorei quatro temporadas inteiras para escrever sobre esta produção, que acompanho desde o episódio piloto, sofregamente, tendo chegado a me emocionar até as lágrimas em vários deles – talvez porque eu demore mesmo pra conseguir colocar em palavras as emoções que certas obras dramatúrgicas acordam dentro de mim, especialmente quando abordam relações familiares (meu ponto fraco). E “This Is Us” as aborda  com uma sensibilidade e profundidade surpreendentes, sob a batuta do seu criador, o norte-americano Dan Fogelman – mesmo roteirista de “A Vida em Si” (Live Itself, EUA/ESP, 2018). Seu grupo de roteiristas sabe usar com maestria o microcosmo daquela família peculiar para mostrar como, mesmo naquelas repletas de amor, surgem conflitos e tragédias que deixam marcas por toda a vida de seus integrantes, principalmente aqueles ocorridos durante a infância.

Mandy Moore surpreende pela versatilidade

A narrativa é cheia de flashbacks, que exigem do casal de atores protagonista muita versatilidade dramática, já que precisam atuar aparentando várias idades diferentes em cada cena. No papel da mãe, Rebecca, a também cantora Mandy Moore – quem diria? – se sai melhor que Milo Ventimiglia (o pai, Jack) neste desafio. Juro por Deus que esqueço completamente que ela não é uma idosa de 60 e tantos anos nas cenas contemporâneas da série, e não é por causa da maquiagem, mas pelo gestual, pela gradação da voz e principalmente pelo olhar, que a atriz dosa diferente para cada idade da personagem.

A primeira e segunda temporadas exploram mais os impactos que uma tragédia ocorrida na adolescência dos trigêmeos tem nos adultos que eles se tornaram, mesmo eles tendo sido criados por pais exemplares. Da terceira à quarta , o vai-e-vem do tempo torna-se mais ousado, com flashbacks retroagindo ainda mais, até a juventude dos pais, mas com acréscimo, também, de cenas de futuro – um artifício que acabou se mostrando perigoso de manejar com a pandemia chegando no hiato das quarta e quinta temporadas para mostrar que a realidade consegue ser ainda mais surpreendente que a ficção, podendo ameaçar a continuidade da história.

Mas, ao menos nos primeiros episódios da quinta temporada, Dan Fogelman conseguiu se sair muito bem

Chrissy Metz, Sterling K. Brown e Justin Hartley são os “Big Three”, como os trigêmeos se chamam desde a infância

no alinhavo das cenas de futuro próximo jogadas no final da quarta – não sei se será tão bem sucedido com o alinhavo das cenas de um futuro distante mostrando os trigêmeos mais velhos e com filhos crescidos, que vêm sendo repetidas desde a terceira temporada… mas cada coisa a seu tempo!

Por ora, esta fã está satisfeita em constatar que a narrativa segue bem amarrada e linkada à realidade atual. Os personagens iniciam esta temporada imersos na realidade da pandemia, motivo pelo qual foram escalados menos personagens por cena e algumas tiveram de recorrer a efeitos especiais de montagem para colocar os atores no mesmo cenário após filmarem em separado. Mas a coisa toda é tão bem feita que o espectador sequer percebe – mais uma prova de que uma (boa) história bem contada pode tudo contra imprevistos na produção!

O quarto episódio dá pistas de que a onda de protestos do movimento “Black Lives Matter”, desencadeada nos Estados Unidos pelo assassinato do segurança George Floyd por um policial, será usada como gancho para mais um conflito não resolvido na infância de Randall, o filho negro que cresceu na família de brancos. Mas também tem mais flashbacks espinhosos da infância dos outros irmãos vindo por aí, para comprovar uma reflexão que o trigêmeo Kevin – o astro de Hollywood – resume em voz alta ao final do terceiro episódio:

“Eu tive os melhores e mais conectados pais que se possa imaginar e mesmo eles deixaram passar tanta coisa…”.

Ou seja, mesmo nas melhores famílias, nada é perfeito!

Por isso recomendo esta série para todos, seja lá o tipo de família que você tiver, até para todos aprendermos com seus personagens a nos perdoarmos, tanto como filhos quanto como pais. Vale o tempo!