Abro a tela em branco e a primeira frase que me vem é: já é sexta, de novo? Isso está tão repetitivo. Mas não está repetitivo, mesmo, desde março de 2020? Ou era 2021? Mudamos para 2022 só nos feriados ou o ano virou e nem vi, como a sexta que chegou e a sexta passada que passou, sem que eu tivesse notado, com perdão pelo trocadilho?
Trancada em uma pequena saleta com uma estante repleta de livros, tento manter a respiração. Nunca me sinto sozinha quando estou rodeada de livros. Pelo contrário. Sinto como se cada cabeça pensante por trás de todas essas páginas estivesse aqui comigo, disposta para um chá e um café. Cabeças e corações que tiveram a coragem de registrar em páginas suas angústias, seus medos, suas perguntas nunca respondidas, seus desejos, seus sonhos, seus traumas. Olho para a estante e posso ver o Jorge Amado, por exemplo, sentado ao meu lado, servindo-se de uma xícara, pronto para o bate-papo. Vinícius de Moraes também aparece. E chega o Guimarães Rosa. Como a estante está na casa dos meus pais, onde me refugiei mais uma vez, chega também a Rosamunde Pilcher, quase uma mania da minha mãe. Eu me sinto leve e acolhida e aberta: contem-me mais, contem-me mais, quero saber tudo, quero conhecer mais de cada um de vocês. E colocamos mais água quente na xícara, apesar do calor lá fora.
Mas dura tão pouco. Nenhum deles consegue terminar uma linha de raciocínio. É o filho que chega procurando a fonte do notebook no meio de um ditado, o outro que chora porque não sabe onde está a lição, o telefone que não para de apitar, as contas que não param de vencer e as mortes que não param de aumentar. O pensamento na amiga internada na UTI já perdi a conta das semanas. A espera pelas notícias diárias. E o trabalho que precisa ser feito, e que bom que há trabalho, e exige concentração que não sei mais onde achar. O peito inchado de angústia e cansaço. A pessoa que me disse, dia desses, que já está velha e não vai mais viajar quando acabar a pandemia. Quando pudermos circular de novo pelo mundo. Quando?
Tenho sonhado em ver a praia novamente, da forma mais ridícula possível, rolando livros na areia e me atirando contra as ondas, gritando de alegria a cada vez que conseguir colocar a cabeça para fora da água, com o biquíni todo desajeitado. E talvez eu abrace o sorveteiro e o vendedor de coco e de milho verde cozido. Talvez eu coma tudo ao mesmo tempo, milho duplo. E raspadinha, as mesmas que comia com meu pai nas férias da minha infância. Ainda tem vendedor de raspadinha, com aquela traquitana de alumínio contendo um bloco de gelo enorme?
Eu quero.
Por enquanto, espero. E nos intervalos da espera, peço a companhia dos homens e das mulheres nas estantes.