Categoria: COLABORAÇÕES

Textos de cronistas convidados do blog.

Obituário

Carmen Cagno*

Abaixou o volume do rádio pra aguçar o ouvido. Eriçou-se – era mesmo. O ruído que vinha do quarto vizinho era sexo. Escandaloso, público, como se 10 da manhã fosse hora praquilo.

Tentou não escutar. Voltou ao rádio e à velha máquina de escrever que não aposentava de teimoso. Os obituários daquele dia… com prazo do jornal até às seis.

Fingiu que não escutava. Encompridou o olhar pra fora da janela, em direção ao minúsculo terraço que dava para o largo. O gradil enferrujado, torto pelo tempo, já emoldurara um dia a fachada art-noveau delicadamente encimada por pequenas e elegantes cornijas. Há muito tempo. Quando o bairro era elegante; quando ele acreditava e a noite acolhia Cadillacs “rabo de peixe” embalando casais encantados pelo cenário trazido lá de Hollywood nas telas do cinema da esquina.

Ele acompanhara aquela paisagem, anos a fio, com o nariz de menino sozinho grudado na janela de vidro embaçado. Homens de chapéu e mulheres bonitas entravam e saiam dos restaurantes e do grande teatro iluminado. Ele imaginando histórias, sonhando, triturando um frio na barriga cheia de adivinhações.

A rua agora era só um arremedo, uma lembrança noturna, derramando a luz amarelada sobre traficantes e prostitutas. Calçadas de silêncio decadente, interrompido às vezes pela sirene da polícia ou os rugidos de uma gangue qualquer.

As samambaias que a mãe insistia, tentavam sobreviver ressequidas naquele território estéril. As samambaias mortas, obstinadas; a mãe obstinada, imortal nos reumatismos, na tossinha irritante, na gororoba que ainda mexia no fogão encarquilhado, todo santo dia, depois de pendurar aqueles panos encardidos no varalzinho improvisado do banheiro.

Da infância, “só-sobrara” o apartamento fincado nesta rua torta e insalubre; sobrara a mãe de nariz cada vez mais adunco. Uma vida impossível, fora do script, amarelada pelo tempo, insistindo naquele cubículo.

Ainda assim olhava pela janela. E fumava, suando no peito sem camisa.

Os mortos. Publicá-los toda manhã, pra alguém ler e comentar “ah, ele era tão bom”, “puxa, ela ainda estava viva?”. Os mortos nas duas colunas que lhe cabiam diariamente no jornalzinho sem-vergonha, emporcalhado de reclames de elixires milagrosos e garotos de programa. Passava no IML, pegava BOs na delegacia, conhecia os informantes do tráfico – o suficiente pra encher as duas colunas e ganhar aquela merda de salário.

Tratou, como já havia aprendido, de se desencantar das lembranças. Fincou os pés no chão ladrilhado e ouviu outra vez. Os dois ali do lado continuavam naquela indecência fora de hora, cheios de espasmos e fluidos. O barulho seco da cama, nhéc, nhéc, nhéc.

Os mortos assombrados com aquela energia tão descabida. Desrespeito, meu Deus; sem-vergonhice das grandes. A vizinha bunduda que cantava boleros feito um rouxinol e se balançava toda no tanque da área de serviço. Ele via, volta e meia. Era ela, a gostosa, só podia ser. Dando pra algum desocupado e ainda gemendo alto.

Depois, a gaveta da cômoda, o revólver do pai, carregado para as eventualidades. Saiu de chinelo mesmo, calção. Abriu a porta do lado e descarregou: uma, duas, três vezes.

Agora podia trabalhar.


Carmen Cagno é jornalista

Sob o signo de gêmeos

Escrevo no meu último dia com 45 anos de idade. Sempre dá vontade de fazer um balanço e listar o que ainda precisaria ser feito para sentir que tenho ido em busca dos sonhos. Sonhos que mudam (já não quero mais ter casa própria nem qualquer imóvel no meu nome e nem fazer faculdade de Economia nem aprender a jogar tênis ou virar triatleta). Sonhos que permanecem (ainda quero adotar uma criança e viajar para a Croácia com meu pai e estudar russo). De tudo o que já imaginei na minha vida, nunca achei que no ano 2021, com meus quase 46 anos, eu sonharia com vacina e erradicação de uma doença. Que eu sonharia tanto com isso! Mais um ano em que o bolo será compartilhado só com meus filhos e marido, o que está ótimo. Música e um pouco de dança sozinha, o que sempre faço e nem precisa ser aniversário.

Tenho tido crises alérgicas quase que diariamente. A pele começa a coçar, a ficar vermelha e às vezes meu rosto incha. Já conversei com a médica e não conseguimos descobrir o mistério. Tenho começado a achar que é falta de abraço, eu que sou tão abraçadeira. Sobra para os meus filhos. Solta, mãe, solta, mãe! Mas não solto. Agarro quando passam por mim, quando passo por eles, na hora de comer, na hora de dormir, depois das broncas que são muitas. Mãe, você está bem nervosa, por que não vai ler um pouco? Mas tem sido difícil manter a concentração. Caminhamos, eu e eles, até a farmácia, três quarteirões com um pouco de sol de outono nas nossas cabeças, uma saudade das ruas do mundo, no meio do caminho compramos um sorvete para cada um e fico parada na calçada. Mãe, por que você parou? Eles já não são mais tão pequenos para disfarces: onde estávamos indo mesmo?

Mãe, eu sei que seu aniversário está chegando e fico feliz, mas também fico triste porque é um ano a menos que eu terei com você. E não é assim desde que nascemos?, devolvo para ele, que me arregala os olhos. Credo, mãe, você precisa nos lembrar dessas coisas? De tudo o que já imaginei na minha vida também, nunca achei que passaria mais de um ano tão grudada nos meus filhos pré-adolescentes. O mais velho logo faz 12, a idade com que beijei na boca pela primeira vez. Lembrar desse beijo faz parte do balanço. Conto para ele, que me acha muito saidinha. Meu desejo de que ele também estivesse na rua, tentando se desgarrar de mim, procurando bocas para beijar com o coração dando cambalhotas. Sim, ainda vai ter tempo. Ou é o que desejo, que ainda dê tempo, mas penso em todos os anos que vivi, mais um começando amanhã, dia 28 de maio – será por isso que gosto tanto do outono? – e imagino como teria sido passar um deles dentro de casa, cercada de dor e medo. Penso nas guerras. Penso nos genocídios todos, tantos não sabidos, tantos que são e não ganham esse nome. Sempre penso em algo maior, pior, mais terrível, para me mostrar que meu medo é um nada nesse mundo. Cada um com suas defesas, a minha chega a ser bem covarde. Junto a isso a literatura, o vinho e a cachaça (é também nossa salvação, Santo Padre), a consciência de que estou respirando e sonhando e ainda desejando. E ser grata. Muito grata.

 

Mãe, não vai dizer que você quer livros de presente, né?

Adivinha!

Colégio Integrado Véritas. Hoje o dia está chuvoso

Estudei no mesmo colégio dos nove meses (quando filha única, meu pai observou o grau de colagem da minha mãe em mim e decretou que eu iria para a escola – obrigada, pai!) aos 14 anos, quando completei o que seria hoje o ensino fundamental. E só saí porque a escola parava aí.

Durante o primeiro ano do colegial (hoje ensino médio), em uma escola em que fui muito feliz (e, sim, eu era feliz e sabia), cheguei a sair correndo de algumas aulas para ter tempo de pegar um rabicho de aula no antigo colégio. Sentia falta não só dos professores, do porteiro e das supervisoras, mas da escola. Do prédio da escola. Das salas de aula pintadas de branco e verde claro. Das cortinas que balançavam com o vento e permitiam a entrada da quentura do sol. Do corredor de piso vermelho (era uma escola pequena do interior, com um só corredor no andar de cima). Do pátio, ao redor do qual ficavam as salas de aula do andar de baixo. Do palco no pátio, onde dançamos muito, inclusive fora de apresentações. Da cantina, especialmente da coxinha e do misto do Leco, que a gente dizia ser bom porque ele nunca limpava a chapa. Sei lá o que ele fazia, mas só de escrever “misto do Leco” já salivei. Sinto o cheiro e o gosto. Um rito de passagem foi poder passar a comprar um misto inteiro em vez de um meio misto. Outro foi poder sair da escola no intervalo para comprar pastel na feira. Cresci vários centímetros a cada saída.

Muitas das minhas amigas atuais conheci no Véritas. Foi lá também que segurei na mão do primeiro namorado, depois de sofrer horrores porque antes de mim ele namorou algumas amigas minhas. E nos falamos até hoje, o ex, a ex do ex, a ex ex do ex, eu ex, todo mundo atual.

Foi no Véritas que aprendi a gostar de ler. A fada que tinha ideias, E o vento levou… o balão de Joaninha, O balão amarelo, O urso com música na barriga, Tonzeca, o calhambeque. Depois vieram A hora do amor, A hora da luta, A droga da obediência, Os pássaros selvagens, O escaravelho do diabo, O cadáver ouve rádio. E foi no Véritas que a professora de português, sem precisar nomear ou explicar o que estava fazendo, me mostrou o prazer em ler, algo sobre o qual agora falo diariamente. Quando estávamos lá, um bando de adolescentes brancos de classe média de uma cidade do interior do estado de São Paulo, reclamando que não estávamos gostando de Capitães da areia, ela soltou uma das frases que marcaram a minha vida: “parem de ler”. A professora enlouqueceu, devo ter pensado, mas ela continuou: “parem ou vocês vão pegar birra do livro e do Jorge Amado e leitura não é para isso”. Apresentou-nos outras opções, escolhemos Cem dias entre céu e mar e não pegamos birra de Jorge Amado. Eu, pelo menos, não peguei. E li e reli Capitães da areia pensando que a professora foi muito sábia. Era preciso mais amadurecimento e mais nariz para fora dos muros das nossas casas e da nossa escola para aquele livro.

Agora endoidecida com as aulas virtuais dos meus filhos, sou diariamente invadida pelas lembranças do Colégio Véritas. Onde eu estava quando estudei a formação da cidade de São Paulo? As aulas da professora de História, outra mulher que abriu minha cabeça para sempre: os livros de história do Brasil mentem, ela disse para crianças de dez ou onze anos. Como busquei ajuda entre os professores e os amigos para conseguir fazer as operações com números decimais?

Perder dois anos do que vivi ali, penso enquanto vejo meus filhos se relacionando pelas telas, seria perder muito. Fico triste, e quieta, porque a vida se impõe. Se podemos nos manter em casa, é o que estamos fazendo. E tento espantar as lembranças quando se tornam mais doídas do que acolhedoras.

Então vejo uma postagem no Facebook. O professor de Educação Física dos meninos que foi com alguns alunos até a porta da escola. Tiraram fotos. Deram uma volta no quarteirão, como tanto fizemos nas aulas e nos desfiles da primavera e de 7 de setembro e sei lá de que mais, era desfile para quase tudo e disso não tenho saudades (que desfilem em marcha os militares sem impor isso aos estudantes), eu quase sempre na frente levando a bandeira por causa da minha altura. Foram até a feira comer pastel. Lembraram da kombi do zelador da escola, da qual ele morria de ciúmes. E tiraram foto do miniginásio, que para minha surpresa tinha esse nome não porque era um apelido fofo e carinhoso colocado por quem gostava de atravessar a rua para ir até lá jogar vôlei e handebol e pular o plinto e dar cambalhota, no que sempre me dava mal. Era miniginásio porque era mini mesmo.

Crédito: Professor Zé Geraldo

Cresci. Envelheci. E tudo o que vivi lá me constitui.

Olho para os meus filhos, há mais de um ano vendo os professores e os amigos pelas telas. Penso nos porteiros passando as mãos nas cabeças das crianças na chegada e na saída. Os votos de boa aula e bom descanso. Tudo aqui aperta, os pulmões, o coração, o estômago, a garganta, o fígado. Se podemos proteger principalmente as pessoas que dependem de transporte público para trabalhar, não sairemos de casa para que elas não saiam também. Pelo menos não por nossa causa. Não se passa pelo que estamos passando sem (muita) dor.

Como será a crônica que meus filhos escreverão daqui a trinta anos?

Ser e ser também

Fui uma criança muito tímida. Sofria para dizer “presente” durante a chamada. Mas havia algo maior que me impelia a ultrapassar a timidez. O mesmo acontece, penso agora, com o medo. Sempre senti muito medo: e se der errado? E se ninguém gostar? E se eu virar motivo de piada? E se eu der vexame? E se eu for mal? E se chover?|E se alguém morrer? E se alguém ficar doente? E se o carrinho da montanha-russa despencar?

Mas tem essa mão invisível nas minhas costas que me empurra. Foi essa mão que senti, por exemplo, quando era uma criança com menos de 8 anos (sei por causa da professora) e ouvi minha mãe cantar para mim “criança feliz, feliz a cantar, alegra a embalar teu sonho infantil…” Achei tão bonita a música, a imagem de Jesus dizendo “vinde a mim as criancinhas”, que pensei: “vou cantar para a classe amanhã”. No dia seguinte, assim que vi a professora, perguntei se eu podia ir para a frente da classe cantar uma música para meus amigos e ela me disse que sim. Quando, já na classe, todo mundo sentado, ela me chamou, eu corei e pensei: “por que eu fiz isso?”.

Levantei e, enquanto caminhava até a lousa (por causa da minha altura sempre sentei na penúltima ou última fileira), puxei uma amiga que se sentava nas fileiras mais ao meio. Agarrei o braço da menina, ela perguntou o que era para fazer e eu disse “nada, só fica aqui comigo”. A fofa ficou (obrigada, Bianca), firme ao meu lado, enquanto eu, que canto feito uma taquara rachada, cantei a música inteira. A professora puxou os aplausos e eu voltei para a minha carteira, deixando a Bianca sentadinha na dela. Até hoje me pergunto o que passou pela minha cabeça. E agora, pensando enquanto escrevo, acho que foi isso: vontade de compartilhar com a classe algo que achei bonito. Não é o que faço, pensando melhor ainda, nos clubes de leitura? Não é o que faço com o perfil que montei no Instagram (@leituraslucianagerbovic, olha o jabá aí), só para compartilhar com as pessoas os livros que leio? Aquilo de que a gente gosta tanto não merece chegar a mais pessoas?

Pode parecer estranho ser tímida e ir para a frente da classe cantar. Ser tímida e ser a primeira a levantar a mão para falar ou fazer alguma exposição ou se voluntariar para uma atividade. Talvez seja a forma que encontrei de enfrentar algo terrível (a exposição para quem é tímido) para depois sentir o alívio de que, afinal, não foi tão ruim assim. E ganhar mais casinhas contra a timidez ou contra o medo ou contra seja lá o que for que pode nos paralisar. Participei das peças de teatro, das danças, dos desfiles, dos campeonatos. Ser tímida e ter frequentado tantas casas de amigas e amigos. Na infância cheguei a ter tantas escovas de dente espalhadas pelas casas onde dormia que perdi a conta. Tinha as amigas com quem trocava confidências. As amigas com quem brincava de bonecas e casinha. As amigas com quem jogava baralho. As amigas com quem cantava e dançava. As amigas com quem viajava. As amigas com quem fazia tudo isso. E os amigos. Era tímida e perguntei a um deles se podia me ensinar a beijar. Aprendi (acho).

Ser leitora e escritora e gostar tanto de ficar sozinha. Observar. Ouvir. Pensar. Refletir. Lembrar. Sem nenhuma interrupção. As férias anuais que aprendi a me dar, viajar sozinha para que ninguém interrompa meus pensamentos, que a pandemia me (nos) tirou. Ser leitora e escritora e gostar tanto de ficar sozinha e gostar de estar tanto com gente. Nas salas de aula, nas rodas de leitura, nos cafés, nas livrarias, nas mesas de bares, nos restaurantes, na beira do mar ou da piscina. Que falta as pessoas estão me fazendo! Pensar em uma mesa de bar cheia de amigos e amigas e copos vazios de cerveja e caipirinha e caju amigo chega a provocar uma dor física.

Ser tímida e gostar de ficar sozinha e gostar tanto de ler e gostar tanto de uma festa. De dançar descalça e ficar tão suada a ponto de alguém perguntar se você caiu na piscina. Dançar funk ao fim da aula com os alunos e alunas e ouvir as risadas por causa da minha falta de rebolado. Foi como participar de um clube de leitura em espanhol essa semana e falar um portunhol precário, mas e daí? Porque no fundo, no fundo mesmo, sinto é medo de deixar de fazer alguma coisa por causa da vergonha ou do próprio medo. Rir, rir de mim mesma, rir daquilo que pode parecer um paradoxo e não é, porque somos tantas coisas e aí é que está a beleza, ainda é meu maior aliado para encarar essa vida que, como escreveu Guimarães, quer da gente é coragem.

E que coragem ela nos pede agora. Sinto tanta falta das gentes, Guima!

 

Para a Leticia, que não gosta de alergia porque é alegria ao contrário

Toda noite acho que é COVID, mas é alergia. O que significa que toda noite tenho uma reação alérgica. A pele do pescoço e do rosto pinicam. Penso em galinhas. Passo a mão como quem quer espantar minúsculas formigas. Cisco. Vou até o espelho para ver se encontro quem ou o quê me provoca essa reação e não vejo nada além das pisadas, pisadinhas, pequenas marcas vermelhas que poderiam ser deixadas por carrapatos, carrapatinhos. Às vezes incham. E no tempo de um espelho a outro já desincham. Muitas vezes somem, o que me faz duvidar da imagem que vi, poucos segundos antes. Lembro de que uma vez viajei de carro com meus pais e no meio de uma estrada desconhecida, por onde nunca havíamos passado, meu pai precisou fazer um retorno e me perguntou, enquanto olhava para um dos lados: está vindo algum carro desse lado aí?, e respondi que não e imediatamente fui atravessada por uma questão: será que eu vejo o mesmo que os outros? O medo que senti em falar “não” e ser morta em seguida, com meus pais, por um outro carro que nos atravessaria. É possível não ver um caminhão? O verde que eu vejo é o mesmo verde que você vê? E se for azul? E se for flicts? Não verbalizei a dúvida para os meus pais e deu tudo certo com o retorno. E será que tem mesmo alguma picada na minha pele? E coceira? Picada ou espinha? Espinha ou nada? É febre essa quentura que às vezes toma meu rosto? Essa dor no corpo que sinto toda noite quando deito, está aqui? É minha? É dos meus filhos que dormem no quarto ao lado? Por quem eu choro no chuveiro para que meus filhos não vejam? Difícil pensar que todas as pessoas, ou quase todas as pessoas, estão nos dando e fazendo o melhor que podem. Eu também estou tentando dar e fazer o meu melhor, diariamente, penso enquanto choro e tento me dar algum colo, e tudo parece tão pouco. Tão insuficiente. E a cabeça coça. A planta dos pés. Os joelhos incham, como nos dias de adolescência em que eu comia muito doce com corante. Não sei se é dor. Não sei nem se é alergia. Menopausa ou crise de ansiedade? Menopausa e crise de ansiedade? Em vez de remédio li Maya Angelou. Li alto. Li pra fora. Li com o livro na altura dos olhos. Li andando de um cômodo a outro enquanto as formigas escorregavam pelo caminho. Pisei em todas. Não sobrou nada além do silêncio que fica no rastro da poesia.

Essa semana ouvi a voz da Elidia, depois de mais de um mês na UTI, e é aniversário do meu pai. Há muita dor. E há muita alegria.

Um livro e duas mãos

Meu primeiro filho tinha seis meses quando meu marido achou que devíamos viajar, só eu e ele. Eu estava tomada por aquele menino, tão desejado, que tinha saído das minhas entranhas. Estava tão tomada que me sentia uma nova pessoa, a quem eu precisava ser apresentada novamente, apesar dos meus mais de 30 anos de convivência comigo. Se pensar em ficar longe daquele bebê me dava algum pânico, pensar em ficar um pouco longe dele, só comigo, me dava também algum alívio. E o convite era para passarmos 15 dias em Paris, o que facilitou muito a decisão. E lá fomos nós, no dia 25 de dezembro, eu com a dor de ficar longe do meu bebê na primeira virada de ano dele, a qual ele passaria dormindo sem saber ainda que os anos viram. A questão, eu sabia, era minha. Sempre foi só minha.

Nos 15 dias que ficamos em Paris recebi vídeos dos meus pais, que ficaram com meu filho, mostrando a primeira engatinhada dele. Teve vídeo também de um novo dente. E a cada vídeo eu era atravessada pela pergunta “o que estou fazendo aqui?”, ao que eu prontamente respondia: “estou exercendo a minha individualidade”. Por mais que me doesse a distância, saber que eu lutava por me manter um indivíduo me fazia um bem danado. E chegamos ao último dia de viagem, meu coração apertado com a certeza de que o avião cairia e eu nunca mais veria meu filho tão desejado e amado. Porque mães não exercem a individualidade impunemente, assim decretou o patriarcado.

O avião não caiu e ver meu filho de novo, feliz cuidado pelos avós, teve um gosto diferente. Não era só ele que eu abraçava nessa volta. Aquele abraço era também para mim. Eu tinha conseguido.

Quando ele tinha um ano e pouquinho, eu já grávida do segundo, uma barriga do tamanho de quinze meses de gestação, me separei de novo do meu filho mais velho, por uns dez dias. De novo, no último dia de viagem, tive a certeza de que o avião cairia. E de novo quando viajei com minha família de origem, pai, mãe, irmão e irmã, deixando meus dois filhos com o pai. E a cada volta, a cada abraço, eu me abraçava de novo.

Eu sou mãe, sim. Eu amo essas criaturas mais do que qualquer outra criatura que exista, tenha existido ou vá existir sobre a Terra, mas eu sou também um ser, uma mulher. E também me amo muito. E ficar longe deles, de vez em quando, quando posso, é oferecer a eles uma mãe melhor, mais satisfeita.

Já com eles maiorzinhos cheguei em casa um dia, depois de um café com uma amiga que mora na Espanha e estava passando uns dias no Brasil, e avisei: “vou para Madri”. E lá fui eu, um mês depois, ficar fora por uma semana. Lá, na Espanha, a pergunta que mais ouvi das pessoas, ao descobrirem que eu era casada e mãe, foi: “mas seu marido deixa você viajar sozinha?” E todas as vezes expliquei que o verbo “deixar” não se aplicava à relação que tenho com meu marido. Eu não tenho que “deixar” nada. Ele também não. Isso desde o namoro, que durou nove anos. Aliás, nunca tive namorados que me “deixaram” fazer ou não fazer alguma coisa. E acho que a recíproca sempre foi verdadeira. A segunda pergunta que mais ouvi foi: “mas você não sente falta dos seus filhos?” Claro! É claro que sinto, mas eu volto melhor para eles, ainda que eu sempre ache que o avião vai cair e nunca mais verei meus filhos.

No ano seguinte, a viagem aumentou de uma semana para três. Como andei mais, sozinha, respondi às perguntas ainda mais vezes. Liguei todos os dias para casa. Acordaram? Dormiram bem? Tomaram café? Almoçaram? Foram bem na escola? Jantaram? Já vão dormir? E tudo de novo todos os dias. Até para amar é preciso alguma distância.

E no ano seguinte eu ia repetir a viagem de três semanas, pensando já mesmo em um mês, quando veio a pandemia. E aqui estou, há um ano e três semanas, convivendo com meus filhos to-dos-os-di-as. To-das-as-ho-ras. Que bom que é assim. Que posso estar com eles. Mas eles mesmos já notaram: “iihhh, no começo da noite é melhor não falar muito com a mamãe”. Porque estou mais cansada, porque já foi um dia todo em videochamada e telefone e mensagens de texto e de áudio e planilhas e apresentações e páginas em branco e aplicativo do banco e de comida e de farmácia e de supermercado e pedidos de ajuda e notícias de mais gente doente e internada e eu rodando em casa, procurando aqueles cinco minutos de silêncio, sem ouvir “mãe, mãe, mãe… cadê o link?, não acho a lição, o vídeo não entra, o computador travou, minha professora não me escuta, preciso de uma vassoura, onde está meu caderno?, tem folha sulfite?, você comprou o livro de inglês?, e o livro que ensina a fazer pão?” E eu só penso no jumento dos Saltimbancos. Foi me dando uma vontade retada de chorar… e chorar… e chorar… e me tranco no banheiro para dar aquela choradinha, mas batem na porta porque o link não entra e “como faz raiz quadrada? Qual o maior osso do corpo humano?” E eu querendo deitar no chão gelado e me abraçar e gritar que não sei, não sei, não sei…

E como estão as outras mulheres? As que estão com alguém que “deixa” e principalmente “não deixa”? As que estão sem trabalho e cuidando de uma casa e dos filhos sozinhas? As que não conseguem ficar em casa porque precisam fazer o trabalho fora e deixam os filhos sozinhos? E essas mulheres todas me povoam e não deito no chão do banheiro para chorar porque quando uma se levanta, levanta todas as outras, isso eu aprendi.

Em vez disso, saio sorrateira, pego o livro da vez e continuo trancada no banheiro. Quando batem de novo, digo que estou com dor de barriga. E avanço mais um capítulo. Pelo menos algumas boas páginas, ali, sentada no chão gelado. Ganho meus minutos de silêncio, afinal, uma pessoa com dor de barriga deve ser deixada em paz. E saio renovada, pronta para as próximas rodadas. Pronta para esticar as duas mãos a quem me pede. E pronta para pedir a quem tanto me oferece as suas.

À espera das raspadinhas

Abro a tela em branco e a primeira frase que me vem é: já é sexta, de novo? Isso está tão repetitivo. Mas não está repetitivo, mesmo, desde março de 2020? Ou era 2021? Mudamos para 2022 só nos feriados ou o ano virou e nem vi, como a sexta que chegou e a sexta passada que passou, sem que eu tivesse notado, com perdão pelo trocadilho?

Trancada em uma pequena saleta com uma estante repleta de livros, tento manter a respiração. Nunca me sinto sozinha quando estou rodeada de livros. Pelo contrário. Sinto como se cada cabeça pensante por trás de todas essas páginas estivesse aqui comigo, disposta para um chá e um café. Cabeças e corações que tiveram a coragem de registrar em páginas suas angústias, seus medos, suas perguntas nunca respondidas, seus desejos, seus sonhos, seus traumas. Olho para a estante e posso ver o Jorge Amado, por exemplo, sentado ao meu lado, servindo-se de uma xícara, pronto para o bate-papo. Vinícius de Moraes também aparece. E chega o Guimarães Rosa. Como a estante está na casa dos meus pais, onde me refugiei mais uma vez, chega também a Rosamunde Pilcher, quase uma mania da minha mãe. Eu me sinto leve e acolhida e aberta: contem-me mais, contem-me mais, quero saber tudo, quero conhecer mais de cada um de vocês. E colocamos mais água quente na xícara, apesar do calor lá fora.

Mas dura tão pouco. Nenhum deles consegue terminar uma linha de raciocínio. É o filho que chega procurando a fonte do notebook no meio de um ditado, o outro que chora porque não sabe onde está a lição, o telefone que não para de apitar, as contas que não param de vencer e as mortes que não param de aumentar. O pensamento na amiga internada na UTI já perdi a conta das semanas. A espera pelas notícias diárias. E o trabalho que precisa ser feito, e que bom que há trabalho, e exige concentração que não sei mais onde achar. O peito inchado de angústia e cansaço. A pessoa que me disse, dia desses, que já está velha e não vai mais viajar quando acabar a pandemia. Quando pudermos circular de novo pelo mundo. Quando?

Tenho sonhado em ver a praia novamente, da forma mais ridícula possível, rolando livros na areia e me atirando contra as ondas, gritando de alegria a cada vez que conseguir colocar a cabeça para fora da água, com o biquíni todo desajeitado. E talvez eu abrace o sorveteiro e o vendedor de coco e de milho verde cozido. Talvez eu coma tudo ao mesmo tempo, milho duplo. E raspadinha, as mesmas que comia com meu pai nas férias da minha infância. Ainda tem vendedor de raspadinha, com aquela traquitana de alumínio contendo um bloco de gelo enorme?

Eu quero.

Por enquanto, espero. E nos intervalos da espera, peço a companhia dos homens e das mulheres nas estantes.

‘A’ de avós da Luciana

Do meu avô materno, infância e juventude na roça e vida adulta no chão de fábricas, não me lembro nem mesmo da letra. Da minha avó materna, empregada doméstica e costureira, me lembro da letra escrita com esforço em cartões de feliz aniversário e feliz natal, textos copiados da minha mãe. Nada muito além de “querida”, “Luciana”, “neta”, “desejos”, “feliz”, “vó”. Da minha avó paterna me lembro da caderneta de telefone. A letra M, de mãe, a mais cheia: “mai du Iduardo”, “mai da Ligia”, “mai da Zaide” e por aí ia. O espaço para a letra V também era disputado: “visinha du Zezinho”, “visinha da Silvia”, “visinha da Angelina”. “Ô, vó, essas mães e essas vizinhas não têm nomes, não?”. A gente ria – eu ainda não sabia que as oportunidades não são as mesmas para todos. Minha avó, sabiamente, dava de ombros. A avó que veio criança do reino da Iugoslávia, que teve os documentos falsificados pelo pai para ficar mais velha do que seus dez ou onze anos e poder trabalhar nas tecelagens da Mooca e que justificava os erros de ortografia na caderneta com a frase que ficou famosa na família: é que eu estudei na Europa. A gente ria. “Ué, tanta gente acha chique falar que estudou na Europa, eu também estudei, e daí?”. E chegou a nos mostrar uma foto da Vela Luka, um prédio mais largo que alto de frente para o mar, para o qual ela apontava: essa aqui foi a minha escola. Por um ou dois anos apenas, mas foi a escola dela. Foi toda a escola que ela frequentou a vida toda. O meu avô paterno, o único que estudou além do que seria um primário. O menino que morou na rua por tantos anos, fugido de casa, quem diria, voltou como mecânico de aviação. Mas só me lembro da letra dele em palavras cruzadas. Nenhuma letra ao lado da outra até formar uma palavra. Nenhuma palavra ao lado da outra para formar uma frase. Nenhum cartão.

Esta semana tenho sentido mais falta dos meus avós. De todos eles. O abraço forte do avô materno, que quase nos deslocava os ossos. O beijinho leve da avó materna e os telefonemas sempre depois das 20h porque era mais barato. A não ser que chovesse forte, aí ela ligava como quem não quer nada. O humor e o riso solto da avó paterna, que me explicou, quando perguntada por mim, porque não chorava: “quem já viu guerra, minha filha, não chora mais”. E a transgressão do avô paterno, dos doces antes do almoço aos xingamentos que fazia a Deus (para desespero da minha avó, católica praticante). Amei todos. Amo ainda. Muito. Mas esse avô paterno foi a grande paixão da minha vida. O único que sabia ler e escrever e que não me deixou nenhum bilhete, nenhuma cartinha. Ele me deixou muito mais, deixou tanto que posso preencher um livro com a minha própria letra, mas nessa semana eu me peguei querendo a letra dele num pedacinho de papel. Algo que eu pudesse ler e me fazer suspirar e acreditar.

Nunca falei sobre literatura com os meus avós, mas foram também as tantas histórias que me contaram e que em mim ficaram gravadas que ajudaram a formar o campo fértil para o crescimento desse amor. Há um universo paralelo onde meus avós podem ler esse meu agradecimento? Se tiver, saibam também que estou com saudades. Imensas.

Um-ano-!

Faz um ano que nos trancamos em casa com a ilusão, pelo menos eu, de que no mês seguinte poderíamos viver pelas ruas de novo, talvez com menos contato físico, mas sem tanto medo. E um ano depois estamos aqui, mais trancados, se é que é possível. Estou com medo de respirar e o vírus chegar voando pelo ar e pelas minhas narinas ir parar nos meus pulmões. Estou com medo. Por uma amiga que acabou de ser levada para a UTI, sedada e entubada. Estou com medo e não encontro palavras e literatura que dê conta do meu pavor. Preciso andar, movimentar meu corpo para que o medo não me paralise, mas são poucos os passos da sala até o quarto e até a cozinha e de volta para a sala. E as crianças, quantos anos estão perdendo? Quantas são as pessoas chorando todos os dias? Mãe pelo filho, irmã pelo irmão, marido pela esposa, esposa pelo marido, sobrinha pela tia, primo pela prima, amigo pelo amigo, filha pela mãe, filha pelo pai, médico pelo paciente, só o presidente não chora por ninguém, e essa semana, enquanto caminhava por uma rua de casa até a farmácia pensei em escrever sobre os cacos de vidros na calçada, uma garrafa de cerveja esmigalhada, e um rapaz de olhos negros brilhantes e sorriso de dentes brancos sentado ao lado, caixa de balas no colo, sobre os dois cachorros que se aproximaram e meu pavor de o vírus voar e comer os meus pulmões, e comprei todas as balas, e de novo e de novo e de novo o pânico, e abracei meus filhos – ‘não se preocupem com as capitanias hereditárias e a raiz quadrada de dezesseis e o número pi e as capitais do país porque tudo se pode aprender sempre se estivermos vivos’  não é bem isso, não penso mesmo que seja bem assim, mas agora quero que seja, preciso que seja, ‘se deus me chamar não vou’ foi o livro da semana, a narradora com a mesma idade do meu filho mais velho, e quando nós deixamos de nos espantar com o mundo e com a natureza? Onde estão nossos olhos com onze anos? Abraço meus filhos mais do que sempre abracei até hoje, se pudessem voltar para o meu útero até o mundo todo ser vacinado, e eu voltar para o útero da minha mãe, e somos nós que parimos o mundo, vamos voltar, uma xícara de chá e outra de café e um brigadeiro no meio da tarde e um choro no banho e mais um capítulo de Harry Potter antes de dormir e sonho que posso voar e acabar com o vírus com uma varinhada. Vamos ficar bem, mãe? Vamos ficar bem? Meus onze anos. Onde estão os meus onze anos?

 

Clubes de leitura. E de afeto.

Se você não faz parte de um clube de leitura, procure um agora. É sério. Muito sério. Eu não gosto de dar conselhos. Tenho essa crença de que cada um sabe o que é melhor para si. Quem sou eu para falar “você devia fazer isso” ou “você devia fazer aquilo”? Cada um sabe onde aperta o seu calo, como dizia a minha avó. Ou a dor e a delícia de ser o que é, como disse mais poeticamente o Caetano. Receita de vida, então? Detesto. Faça assim assim assim. Assado assado assado. Sabe gente que tem receita pra tudo? Como ser uma boa mãe, como manter uma casa, como ser saudável, como ser magra, como ser bem-sucedida, como dormir bem. Afasta de mim esse cálice cheio de gente chata que acha que o mundo é o seu quintal. Também tenho a crença de que cada um, com exceção do atual presidente do Brasil, dá o melhor de si naquele momento. A pessoa já está fazendo o melhor, mesmo assim está difícil, e ainda vem alguém com a receita pronta? Tchau.
Mas mesmo assim, veja só, eu venho aqui hoje dar um conselho. Fazer um convite, podemos entender assim: que tal fazer parte de um clube de leitura? Isso: leia o mesmo livro que um grupo de pessoas está lendo e junte-se a elas para conversar sobre essa leitura. Para falar sobre as sensações e reflexões que essa leitura te gerou e, mais do que isso, para ouvir o que essa mesma leitura gerou nos outros. Nessa semana de pico, até agora, do nosso luto, da nossa agonia, do nosso medo, da nossa tristeza, eu fiquei com os olhos marejados e o coração quentinho ao terminar os dois clubes de leitura que mediei com a minha mais nova parceira. Porque também tem isso. Os clubes de leitura vão nos apresentando pessoas com quem a gente gosta de estar, de compartilhar, e ganhamos parceiros. Os clubes de leitura nos mostram que não estamos sozinhos, ainda que isolados e amedrontados.


‘Os clubes de leitura vão nos apresentando pessoas com quem a gente gosta de estar, de compartilhar, e ganhamos parceiros’


Tanta coisa que eu senti durante a leitura e não sabia nomear direito, uma leitora fez pra mim, com as palavras mais precisas que eu não conseguia encontrar. O leitor que estava quieto em casa há meses e resolveu ver o que acontecia nesses tais clubes, falou e falou e falou. E ouviu atentamente. E sorriu ao final, com o livro do próximo mês já anotado para começar logo a leitura. Teve quem não gostou do livro, sempre tem, e não gostar pode, e falar que não gostou pode, e tudo pode desde que com respeito, mas depois da conversa se prometeu ler de novo para encontrar a beleza que o outro leitor encontrou. E quem encontrou beleza ficou surpreso ao ver que outro encontrou feiura, mas não é que pode ser feio também? É que pra mim foi assim. Pra mim foi assado. E faz sentido ser assim. E faz sentido ser assado. Porque a literatura não nos dá respostas. E às nossas perguntas juntamos outras. E isso nos aproxima. E cada um dá um pouco da sua história, da sua visão, do seu pensamento, dos seus sentimentos e cada um sai com um pouco do outro do encontro. E ficar com um pouco do outro em nós é, talvez, o que pode haver de mais bonito nessa vida. Por isso que, apesar de tudo que eu escrevi lá em cima sobre conselhos e receitas, eu venho aqui me contradizer.