Categoria: Séries

‘Little Dorrit’: mais Dickens na telinha

Acima, o elenco de ‘Little Dorrit’, minissérie da BBC adaptada da obra de Charles Dickens

Queria que a vida fosse tão justa quanto nos livros de Charles Dickens, que todos fossem tão flagrantemente bons ou maus, sem nuances. Quem dera todos os corações partidos continuassem apenas doloridos, mas sem mágoas – principalmente por quem o partiu – e honrados como de John Chivery, o apaixonado pela personagem-título de Little Dorrit“.

Dickens é mais conhecido por “Um Conto de Natal” (A Christimas Carol) – a clássica história dos fantasmas do passado, do presente e do futuro que visitam um velho avarento na noite de Natal adaptada algumas dezenas de vezes para cinema e TV – e um pouco menos por “Oliver Twist” e “Grandes Esperanças”, mas tive a sorte de ter acesso a outras menos conhecidas ainda, como Bleak House eNicholas Nichelby.

O cinema e a TV – sempre a BBC – apresentaram-me primeiro às suas obras, mas nunca contento-me enquanto não confiro suas versões literárias, sempre mais saborosas. Particularmente as de Dickens são, à primeira vista, melancólicas, mas revelam-se de uma fé adorável no ser humano. Cada personagem seu é ou apenas bom ou só mau, ou honrado ou desonesto, humilde ou fútil, mas mesmo os de pior caráter têm sua oportunidade de redenção e os que não a aproveitam recebem o que merecem.

A própria prosa literária de Dickens trai seu otimismo. Mesmo quando descreve situações infelizes, seu tom é de ironia ou humor, do estilo mais elegantemente inglês – a forma como descreve os primeiros anos de Oliver Twist é um ótimo exemplo.

Por isso não vejo a hora de deitar os olhos na versão literária de “Little Dorrit”, que acabo de assistir em formato de minissérie em 14 capítulos da BBC. Enquanto garimpo a internet à caça de ao menos um ebook da obra (já que não encontro uma tradução brasileira no mercado!!!), registro aqui a sugestão da minissérie para quem curte produtos de época tanto quanto eu.

A história se desenvolve em torno de um mistério que liga as vidas de uma idosa fanática religiosa entrevada em um cadeira de rodas, seu filho recém-chegado de uma longa temporada na China e a jovem costureira que esta senhora contrata. O filho é Arthur Clennam (Matthew MacFadyen, a quem já teci rasgados elogios neste blog desde que o conheci na pele de Mr. Darcy, na versão 2005 de “Orgulho e Preconceito”). Ele traz da China a notícia da morte de seu pai em alto mar e várias perguntas à mãe sobre o que significou o último pedido do moribundo para que entregasse um certo relógio à esposa acompanhado de uma única recomendação: “Conserte”.

Diante da recusa da mãe em esclarecer o que significou a mensagem, Arthur começa a investigar a estranha relação desta com a costureirinha humilde que ele descobre morar na prisão dos devedores, para onde o pai dela foi mandado desde antes de seu nascimento. Desenrola-se uma amizade que trará muitas reviravoltas à vida da “Pequena Dorrit” e, claro, o nascimento de um amor inconfesso (adooooro!).

É um deleite acompanhar histórias bem narradas, emolduradas por um figurino bem cuidado, uma reconstituição de época cuidadosa e, mais que tudo, imaginar-se em um mundo criado por Dickens.

Mais uma deliciosa série de época da BBC

“Vivemos os últimos anos cercados por todos estes monumentos ‘ao que poderia ter sido’”.

Eu sei, desgarrada da cena de onde a pincei, esta fala não tem grande impacto. Mas no contexto de um episódio da minissérie “Lark Rise to Candleford” (BBC, 2008), conectou-me, instantaneamente, a sentimentos não-ditos nos diálogos deste romance tipicamente inglês. Digo “tipicamente” no melhor sentido, pois minhas experiência com autoras inglesas da era vitoriana tem provado, a cada nova obra descoberta, que nada há de trivial ou superficial nos diálogos cheios de subtextos de suas obras – escritas ou filmadas -,  por mais que pareçam formais e frívolos à primeira vista.

Mais uma série de época a levar (e merecer!) o selo BBC de qualidade em produções de época, “Lark Rise to Candleford” é baseada na trilogia formada pelos livros “Lark Rise”, “Candleford” e “Candleford Green”, escrita por Flora Thompson – sim! outra das minhas “inglesas românticas” favoritas. Semi-biográfica, a obra narra memórias da jovem Laura Timmins, vividas numa região rural ao nordeste da Inglaterra, no século 19. O pano de fundo é o cotidiano de duas comunidades vizinhas, uma essencialmente rural e habitada por camponeses pobres, e outra um vilarejo que reúne a porção mais urbana e de melhor situação da população. Laura nasceu em uma e é enviada a viver em outra ao chegar à adolescência. É quando passa a relatar em um diário as diferenças que observa entre os dois mundos e que, muitas vezes, a fazem sentir-se dividida.

Diferentemente dos romances da magnânima Jane Austen, ambientados entre a aristocracia rural, “Lark Rise…” mostra a realidade de trabalhadores da terra que mal conseguiam ganhar o pão de cada dia e entre os quais saber ler era considerado um luxo quase desnecessário. Solidariedade, honestidade e valores humanos genuínos pautam a convivência das famílias (alguns episódios me emocionaram às lagrimas).

É um produto de época romântico e leve, ideal para Sessões da Tarde.

Vamp filosofia

Acabo de assistir ao que acredito seja o ápice da segunda temporada da série “True Blood”, o episódio 9, “I Will Rise Up”. Duvido que algum outro momento da série consiga suplantar a beleza das últimas cenas deste episódio, em que um vampiro milenar e sábio renuncia à eternidade.

Não entrarei em detalhes sobre a cena e nem sobre os últimos dois saborosos episódios que contaram com a presença do personagem Godric, um vampiro de 1.800 anos (não quero estragar o prazer de quem acompanha a série). Basta saberem que fiquei tão tocada com a forma como se deu a saída de cena de tão rico personagem que não resisti a compartilhar.

“True Blood” é mesmo surpreendente. Quando se pensa que trata mais de sexo, surpreende com um romance denso; enquanto em um núcleo costura uma aventura bem amarrada, no outro equilibra referências super atuais de ódio e incompreensão social. E agora surpreende de novo com um personagem que instiga questionamentos filosóficos sobre co-existência neste mundo louco.

Adorei!

Amor, sexo, tensão social e humor de HQ em ‘True Blood’

“Não repare se, por acaso, eu parecer um pouco… morta”.

 

A frase acima é dita por uma vampira adolescente ao namorado humano, com quem pretende perder a virgindade – mas não antes de render-se ao seu reparador sono diurno. “Fico meio doente de dia”, explica docemente, ainda de presas à mostra.

Esse tipo de humor prevalece em quase todas as cenas de “True Blood“, mais uma série sobre vampiros, estes personagens fantásticos que escritores e roteiristas das mais variadas épocas e mídias adoram explorar dramaturgicamente. Da literatura aos quadrinhos, da TV ao cinema, a lista de produtos envolvendo esse gênero de mortos-vivos é grande. Tanto que dei de ombros quando ouvi falar sobre a série. O argumento de “True Blood”, porém, me surpreendeu.

Aqui os vampiros “saem do armário” (digo, do caixão) e passam a conviver entre humanos após terem seus direitos civis assegurados por lei, mas sob a condição de deixarem de matar para se alimentarem. Isso se torna possível com a produção, em escala industrial, da bebida Tru-Blood (trocadilho com o nome da série, que significa “sangue genuíno”), espécie de sangue artificial que supre as necessidades alimentares dos vampiros.

Mas como estamos falando da sociedade humana, na qual nenhuma transição social se dá sem guerra civil, declarada ou não, algumas parcelas da população discordam da integração e vão à luta. Não por acaso, aliás, o seriado se passa no sul dos EUA, berço da Klu Klux Klan (é impagável assistir a vampiros falarem inglês com sotaque sulista).

Do lado dos vampiros também há os que desprezam a nova política, tornando necessária uma organização social paralela, que pune quem fere os estatutos da espécie. Assim é que a comunidade vampira também tem seus xerifes de área, magistrados, governadores e até uma rainha, que volta e meia vai à TV participar de debates com políticos contrários à integração.

E esta prossegue mesmo aos trancos e barrancos, trazendo em seu bojo – como qualquer mudança – muito preconceito, consequências boas (como a abertura de um novo nicho de mercado para os vampiros, com criação até de quartos de hotéis à prova de sol, por exemplo) e ruins (no mercado negro, comercializa-se sangue de vampiro, que tem nos humanos mais ou menos os mesmos efeitos que a cocaína).

Neste quadro, o amor entre diferentes não podia ficar de fora. A protagonista Sookie, uma humana com poderes telepáticos interpretada por Ana Paquin (Oscar por “O Piano”), vive um caso de amor com o vampiro Bill Compton, interpretado charmosamente pelo inglês Stephen Moyer.

Cenas de sexo são o grande apelo da série – tem, no mínimo uma com nudez explícita por episódio -, mas pelo menos todas estão inseridas dentro de um contexto na história. Não chegam a ser gratuitas, mas obrigam a série a ostentar classificação indicativa para maiores de 18 anos.

O humor, nada convencional, é o melhor trunfo de “True Blood”… depois das questões sociais. É irônico, surreal, muito parecido com o das histórias em quadrinhos. Tanto que desconfio que nem todos os espectadores saberão apreciá-lo. Eu adoro! E recomendo.

‘Cranford’: adorável como as melhores obras de época

Adoro o modo como as produções de época da BBC reproduzem o clima e as mensagens dos textos que as inspiram. As séries “Cranford” (2007) e “Retorno a Cranford” (2009) – a primeira dividida em cinco episódios de 1h cada e a segunda em dois de 1h30 – são exemplos deliciosos da sutileza com que seus diretores transformam um amontoado de descrições literárias em imagens narrativas.

A primeira, “Cranford”, é uma minissérie em cinco capítulos produzida pela BBC com base em livro homônimo de Elisabeth Gaskell, mostra a vida no pequeno povoado inglês que dá nome à obra, extremamente regrada e conduzida com base em regras rígidas de conduta social.

No começo assistimos com olhar crítico à repetição de costumes tão arraigados naquela sociedade dominada por matronas. Todas as ações são vigiadas e interpretadas segundo regras tácitas de comportamento, que acabam metendo forasteiros como o novo médico do povoado em muitas armadilhas e induzem solteironas mal afeitas a hábitos de outras terras a enganos. Mas à medida que esses enganos e armadilhas vão colocando em apuros seus próprios habitantes, a solidariedade, a generosidade e o espírito de corpo vão se sobrepondo à rigidez dos costumes, revelando uma humanidade até então insuspeita por baixo daquele verniz social.

É um produto leve, bucólico, romântico, ao gosto de quem, como eu, aprecia leituras como as de Jane Austen.

Já em “Retorno a Cranford” (2009) vai na mesma linha e tocou-me, particularmente, com a sequência em que a idosa Miss Mathis aguarda pacientemente, ao lado da afilhada Mary e do empreiteiro Mr. Brown, a chegada de alguns dos mais antigos moradores do vilarejo para uma pequena excursão de locomotiva. Todos são refratários à ideia da ferrovia, que promete mudar o traçado da localidade e – pecado dos pecados! – trazer mudanças àquela sociedade de costumes seculares e inflexíveis.

As cenas da excursão são um primor de simbolismo do que significou para aquela bondosa senhora – e para toda a época e sociedade que ela representa na história – abrir-se para o novo, a mudança.

Por toda a série os moradores do vilarejo são confrontados com questões que opõem tradição e bom senso, convenções e sentimentos, emoção e razão, cada episódio mostrando o quanto a boa vontade e o cuidado para com o outro é capaz de contornar o mais espinhoso problema ou questão social.

Adorável!