REGIS MARTINS
Estava eu pensando sobre o que escrever para os leitores do Palavreira, quando dia desses assisti a um filme baseado na vida do trumpetista Chet Baker (1929-1988), com o Ethan Hawke no papel principal. O título é muito bom – “Born to Be Blue” – nome de uma das canções mais famosas do jazzista, mas o longa em si não tem nada de excepcional. Apenas correto.
O fato é que Chet era um talento raro e, galã, foi considerado o James Dean do jazz. Tinha o mundo aos seus pés, porém, era um junkie inveterado e deixou um rastro de destruição por causa do vício.
Todo mundo tenta ajudar o cara, mas é um caso perdido. Na verdade, o que me chama a atenção nisso tudo, e até me assusta, é o tipo de autoconsciência de certos viciados.
São pessoas carismáticas e inteligentes que, conhecendo bem sua natureza, sabem que não vão sobreviver sem a droga. E vão se autodestruindo lentamente, numa grande valsa do adeus.
No começo do filme, sua namorada quer saber o motivo de um cara como ele se tornar um viciado. “Problema com os pais?”, ela pergunta.
“Não, nada disso”, responde Chet/Hawke e emenda: “É porque eu gosto de ficar doidão”.
Bom, essa é basicamente a resposta para um grande enigma do universo. As pessoas se drogam/fumam/bebem/comem/apostam em excessos porque gostam. A compulsão é uma velha amiga nossa.
A questão é: qual o limite?
Nos filmes “Ninfomaníaca 1 e 2” do dinamarquês Lars Von Trier, o diretor usa o sexo para tratar desse tema espinhoso que é o vício. Em dado momento, a personagem principal, Joe, vai participar de uma terapia em grupo e, de repente, se dá conta de que aquilo tudo não vai ajudá-la em nada. Simplesmente porque o vício faz parte de sua natureza. A busca pela cura era como uma negação de si própria. No final das contas, Joe aceita sua situação, a “fratura” que compõe sua alma, consciente de suas consequências.
Chet tinha consciência também, e pagou caro por isso. Devastado pelas drogas, morreu sozinho em Amsterdã, aos 58 anos, depois de “despencar” da janela de seu apartamento.
Reconhecer nossos demônios é um grande passo. Sobreviver a eles são outros quinhentos. E segue o barco!
(*) Regis Martins
Jornalista, músico, pai da Marina, avô da Helena e ‘palavreiro’
cultural de mão cheia
Toda semana, às quartas, o blog traz a crônica de um(a) ‘palavreiro(a)’ convidado(a). O convite é extensivo a todos que gostam de palavrear a vida em forma de crônicas.
‘VEM PALAVREAR COM A GENTE!’
1 comentário
Booommm, Régis! Viver com nossos demônios, conviver é morrer com eles, melhor que seja de bem com a vida! Bj