… e não vai ter Carnaval. Quando pudermos fazer festa de novo (há de se ter fé) vou comemorar todos os aniversários passados sem festa e vai ter gente fantasiada de bruxa com paetês fazendo procissão e pulando fogueira e comendo ovo de Páscoa e bebendo quentão com um pedaço de panetone mergulhado ao som de Ivete vestida de Mamãe Noel cantando “pula a fogueira iaiá”, que mesmo quem não gosta de festa vai gostar.
Minha mãe me levava pular Carnaval fantasiada quando eu era criança e não sei dizer se eu gostava ou não. Sei que na pré-adolescência comecei a achar tudo aquilo muito besta, como uma boa pré-adolescente que acha tudo muito besta. Até que na adolescência me enfiei numa matinê com umas amigas e me apaixonei. Por um garoto e pelo Carnaval. Foram anos indo desde o grito de Carnaval até o baile da ressaca. Já teve escola de samba no Rio e em São Paulo. E foi em um desses carnavais que um namorado (não mais a paixão da matinê) me avisou que iria viajar para a praia, só ele e uns amigos. Fiquei indignada. Quem viaja só com os amigos para a praia no Carnaval bem intencionado? Ele nem ligou para a minha indignação e foi. Todo sorridente. Sobrei com um bico enorme na boca.
No sábado de Carnaval pedi para o meu pai me levar até uma livraria. Fazia tempo que eu não lia muito. Era a época de vestibular e toda leitura me remetia a essa prova. Foram os anos em que não tive prazer em ler. Mas minha raiva era tanta que só consegui pensar em livros para passar o Carnaval. Lembro que comprei quatro. Um para cada dia do feriado. De dois deles eu me lembro perfeitamente: “Favela High-tech” e “O amor é fodido”. Este, do português Miguel Esteves Cardoso, era exatamente o que eu precisava naquele Carnaval. Consigo me ver sentada na mesma poltrona da sala, os quatro dias, cada dia com um livro, plena, cheia de vida e alegria. O namorado voltou e foi recebido com saudades. “Tá tudo bem mesmo?”, ele perguntou. “Tá tudo ótimo”, eu respondi sem mentir. Acontecesse o que acontecesse, a partir daquele momento, eu havia descoberto como não sentir solidão.
O namorado mudou. Vieram os filhos e as matinês com eles, eu curtindo mais do que as crianças. Vieram menos bailes do que eu gostaria. Alguns desfiles pela tevê. Outras noites de sono. E veio até fevereiro no Brasil sem Carnaval.
O que importa, agora, é que a minha descoberta continua aqui, pulsante. Essa ninguém me tira. Venha o que vier.