Quero me redimir da culpa de ter usado o nariz do Pinocchio para contar algumas histórias. Saibam que se misturei realidade com mentirinhas foi unicamente com a boa intenção de imprimir nelas um pouco da magia que permeava nossos passos. E já que estamos na penúltima crônica da série, vou revelar a vocês uma verdade sólida.
Eu vi Gigantes. Juro por tudo o que é mais sagrado.
Acharão que estou de brincadeira, mas não. Saibam que eles foram o acontecimento mais real e forte de tudo o que foi contado até agora. São mais vastos que os Apeninos, e têm nomes de mortais comuns: Karl e Vincent.
Karl jantou conosco em Chatillon e andamos juntos por dois trechos. Quando falou de nós em uma de suas postagens, disse ter dúvidas se éramos um grupo de brasileiras ou uma banda. Isso porque ele testemunhou momentos em que estávamos animadíssimas para cantar e dançar enquanto andávamos.
Karl é um Gigante inglês de presumíveis 65 anos, casado e pai de uma paratleta acometida por paralisia cerebral. Ao aposentar-se, impôs a si mesmo o desafio de andar 3.200 quilômetros de Windsor (Reino Unido) até Atenas (Grécia) para, com tal feito, angariar recursos para duas instituições: Cancer Research UK e Chance for Childhood. Andar por caridade era o que fazia por ali. Com posts e vídeos, chamava a atenção dos seus seguidores. Um Lord!
Diante de um coração tão generoso, fiquei miúda. Diante de alguém com um propósito tão forte de doação, que cede e faz pelo outro, pensei no quanto é possível se expandir.
Foi o primeiro Gigante. Veio para ensinar.
Como os semelhantes se atraem, não demorou para o segundo gigante juntar-se a nós.
O Vincent era um holandês que apareceu do nada no trecho de Vèrres. O lógico seria que nos ultrapassasse e seguisse seu rumo. Devia ter uns 30 anos ou nem isso. Depois explicou que reduziu seu ritmo ao mínimo porque estava precisando da alegria que tínhamos de sobra. Isso fez com que andasse conosco um dia e meio, até desistir de nossa lerdeza.
Vincent era o Gigante maior porque estava lutando por sua própria vida. Tinha uma doença grave que o obrigava a tomar medicamentos diariamente, pois seu intestino não absorvia os nutrientes. Ele podia passar mal a qualquer momento, mas estava andando sozinho e percorria cerca de 50 km por dia.
Tinha fé – muita fé – de que se saísse da Holanda e seguisse até Jerusalém, abrindo mão da medicação no trajeto, se curaria.
Você já olhou nos olhos de alguém de pupilas pretas que brilham quando diz que tem fé de que vai se curar enquanto anda, prescindindo dos remédios, arriscando-se a não ter socorro caso passe mal? Já sentiu que sua alegria efêmera podia ser um bálsamo para alguém vivendo tamanho drama pessoal? Já torceu intensamente para que o Deus dos Gigantes ouvisse aquelas preces?
Mais uma vez, diante de um coração tão valente quanto aquele, fiquei miúda. Diante de alguém com o forte propósito de defesa de sua vida, que enfrenta os problemas e age por si mesmo, pensei no quanto é possível expandir-se.
Foi o segundo Gigante. Veio para ensinar.
Pinocchio, aqui a magia deu-se por outras vias. Conhece Belchior, seu filho de carpinteiro? Dizia ele que “qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa”. Deve ter visto gigantes também.
Márcia Intrabartollo é jornalista, peregrina e
aprendiz de escritora
Esta é a nona e penúltima crônica da série Pé Dá Letra, publicada aqui no Palavreira toda quarta-feira, com histórias inspiradas na peregrinação de sete brasileiras pela Via Francígena, em 2017. Para saber mais sobre a viagem que inspirou esta história, visite o Peregrinas Mundo Afora no Facebook.
Para ler a crônica anterior da série, Carta para a Menina Helena, clique aqui.
19 comentários
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Marcinha,
Não deixe nunca de escrever. Vc sabe fazer isso. Usar a nobre ferramenta da escrita e emocionar quem te lê. Bjs e sucesso!
Mágicas palavras, q enchem nossos corações de alegria e fé! Lindo, Márcia!
São lindas suas crônicas, Márcia .
Estou amando!! Vc escreve muito bem. Parabéns!!!
Fófi, realmente a dose de emoção nesta crônica foi maior. Faz a gente pensar num monte de coisas.
Parabéns mais uma vez e de novo! Os seus textos são deliciosos de ler e incansáveis.
Vc me prendeu tanto que li todos em 2 sentadas!…. rsrs
Espero que nao fique só nesta temporada, que venham muitas outras com muitas histórias cheias de invencionices ou não, mas que certamente serao um sucesso!
Beijo grande.
Fófi
Aí você se agigantou também pela sensibilidade de perceber a expansão do outro. Lindo texto! Beijos!
Que lindo Márcia, bem vc, quanta sensibilidade! Fiquei emocionada! Você é gigante também!
Quem sabe amiudar-se com frequência diante da vida e de suas lições, acaba por agigantar-se não sendo mais segundo o exterior mas reconstruindo-se segundo os aspectos essenciais. Boa jornada minha linda escritora.
Que legal Marcinha. Amei. Realmente existem gigantes por perto! Obrigada por mais um texto delicioso! ??
Autor
E são muitos, se olharmos bem!
Que incrível! Amei a história, amei seu jeito de contar! Me inspirou…
Autor
Obrigada, fico bem feliz!
Linda historia Marcinha, Deus colocou esses dois gigantes em nosso caminho para que humildemente aprendêssemos algo maravilhoso que é a vida e podermos passar uma pouco de nossa alegria.
Autor
Sim, Re! Como a alegria pode ser um bálsamo, não?
Nossa Marcinha, amei concordo com a Kele me tocou profundamente! O Vicent se curou, um dia lamentei que eu nao tinha o cel dele … A Renata disse que falou com ele chegou ate o fim e se curou!!!
Autor
Que boa notícia!!!
Marcinha, não pude conter as lágrimas. Fiquei emocionada de lembrar desses dois humanos lindos que tivemos o privilégio de conhecer.
A maneira como você conseguiu traduzir em palavras essas histórias foi mais que especial. Embora pequenina, você também é gigante. 🙂
Autor
Ô, Sheila, não me faz chorar, não…
Ah… Marcia… há textos que nutrem a alma. Este é um deles. Gracias!
Autor
Oba! Ganhei um comentário da editora! Me expandi!