Cresci em uma casa com livros nas estantes da sala, mas meus pais não os liam. Eu, pelo menos, não tenho recordação deles com livros abertos nas mãos. Se liam, era em algum lugar (no quarto, talvez) longe dos meus olhos. Meus pais também nunca leram histórias para os filhos. Na hora de dormir era um “boa noite” e um beijo. Então foi na escola que o mundo da literatura se abriu para mim. Se nas aulas de Matemática eu fingia dor de cabeça para não ter que enfrentar uma lógica que não compreendia, com o primeiro livro de ficção já enxerguei algum sentido na vida. Mas, se meus pais não liam, sabiam da importância da leitura na constituição de um ser humano e me estimularam. Se na escola gostei de ler “O cachorrinho Samba” e comentei com minha mãe, ela rapidamente me presenteou com o restante da série, com o cachorrinho Samba na fazenda, na cidade, na floresta, sei lá para onde mais ele foi. Só sei que eu o acompanhei por todos esses lugares. Lembro, ainda, da minha mãe me presentear com o livro “A Montanha Encantada”, também da Maria José Dupré, que me marcou desde o azul da capa. Lembro do livro nas mãos da minha mãe. Lembro do livro passar para as minhas mãos. E do quanto, até hoje, aquelas horas vividas em outra dimensão me marcaram. Se gostei dos livros da Maria José Dupré, então minha mãe procurou tudo o que ela havia escrito. E se minha mãe me viu devorando “O urso com música na barriga”, indicado pela escola, ela complementou minha paixão com outros do Érico Veríssimo. O mesmo com os livros da Fernanda Lopes de Almeida (depois que me tornei mãe, fui atrás das edições de “A fada que tinha ideias” e “Soprinho” que li na infância, precisava daquelas capas novamente ao alcance das mãos).
Hoje, enquanto escrevo esse texto, penso na atenção que minha mãe prestava nas leituras indicadas pela escola, e do quanto também aprendia com elas. Já por iniciativa própria, minha mãe me deu “Pollyanna” e “Pollyanna Moça”, que ela tinha lido e gostado. Minha mãe achava que eu tinha muito a aprender com a Pollyanna, mas a menina (e a moça) só me irritou e resolvi seguir o caminho contrário. Mas não posso dizer que Pollyanna não me marcou. Meu pai, por outro lado, virava e mexia soltava algo sobre algum livro de Graciliano Ramos, autor de quem ele leu toda a obra, em bibliotecas públicas frequentadas na juventude. Mas se eu não via meu pai lendo, ouvi dele essa resposta, quando pedi para ele me comprar um livro: farei o sacrifício que for, mas para livros nunca te falarei “não”. Estava descoberta a minha mina de ouro! Se para a maioria dos brinquedos que pedia eu ouvia “no Natal ou no teu aniversário eu penso sobre isso”, para os livros seria sempre “sim”.
E meu pai cumpriu a promessa. Estava criado o meu time de estimuladores à leitura: as professoras na frente, especialmente a Dona Ângela, professora de português dos meus 10 aos 14 anos, que assumia erros em algumas indicações e mudava de ideia, sempre conversando com os alunos, e meus pais atrás, atentos. E um tio, silencioso, que vinha passar muitos finais de semana com a gente, ou com quem eu passava as férias, o tempo todo com um livro nas mãos e uma cara de enorme satisfação.
Sempre achei bonito ver uma pessoa lendo. Ela estampa um sorriso, mesmo que discreto, de quem descobre uma nova forma (agradável) de estar no mundo. Ela parece carregar um segredo precioso e esse segredo a deixa feliz. Eu sempre quis estar na cabeça das pessoas que estão lendo, parecia um lugar bonito para se passar um tempo. Eu sempre quis conversar com as pessoas que estão lendo: divide comigo isso aí que você sabe e que te deixa assim contente?
Puxa!, exatamente o que faço hoje nos clubes de leitura, acabei de concluir. Viu, Luciana menina, como deu certo? E a Luciana menina tinha razão: é mesmo muito bonita a cabeça de uma pessoa leitora.