Sou uma mãe ‘do caralho’!

Eu me formei jornalista aos 22 anos. Viajei para Europa para um intercâmbio de dois anos, com o intuito de me especializar e ter mais oportunidades na minha profissão.  No entanto, em apenas três meses de aventura eu descobri que estava grávida e decidi voltar para o Brasil.

Os anos seguintes foram de muita luta. Tentava conciliar estudo para concurso com trabalho e cuidados com a cria. Sentia muito cansaço, ansiedade, preocupação.

Trabalhei na Câmara dos Deputados, em alguns ministérios como assessora de imprensa. Aguentei humilhações e assédio sexual. Tinha que deixar meu filho tempo integral na creche.

Eu não tinha muita motivação, nem energia para ir além. O pai biológico do Miguel havia decidido não participar e colocou a culpa em mim por eu ter decidido voltar ao Brasil.

No Brasil, retomei uma relação com um ex, que insistiu em formarmos uma família – eu, ele e meu filho (ainda na barriga).

Durante os primeiros aninhos do Miguel, mesmo com esse companheiro, era eu quem acordava todas as madrugadas (afinal não podia exigir muito de alguém que escolheu ser pai de um filho de outro).

Quem pagava escola e comprava remédio e roupas e brinquedos era eu. Quem deixava na creche e buscava, era eu. Quem abriu mão de especialização, academia, fui eu.

O “pai” fazia muay thai, musculação, cursos, natação, trabalhava em dois empregos.

O pai biológico, nem sinal. Enviei uma foto do Miguel com 1 ano e 6 meses. Ele pediu: “não faça mais isso. Sofro quando vejo”. Nunca mais enviei.

O “pai” tinha carro (dado pelo pai) e moto. Eu andava cerca de 20 minutos com Miguel no colo e no sol para deixá-lo na creche. Um dia perguntei a ele por que não me emprestava o carro e ele ia de moto para o trabalho. Ele respondeu: “Porque você tem que lutar por suas próprias coisas”.

Na época, eu trabalhava como assessora de imprensa por míseros R$ 2 mil, com um deputado corrupto que pedia todo dia, em tom de “brincadeira”, que eu chupasse seu pau. Isso na frente de todos os assessores, que riam (aliás, ele foi preso por suspeita de estupro em seu Estado e solto por falta de provas).

Eu chegava em casa chorando e esse companheiro dizia: “você tem que correr atrás de outro emprego. Não posso fazer muito por você”.

Ainda fiquei dois anos nesse gabinete (enquanto procurava por outro emprego), “aprendendo a lidar”, como me diziam para fazer.


O “pai” tinha carro (dado pelo pai) e moto. Eu andava cerca de
20 minutos com Miguel no colo e no sol para deixá-lo na creche


Um dia, entre amigos, esse companheiro, para se vangloriar, falou em voz alta que sua renda estava em torno de R$ 10 mil. Eu fiquei chocada, porque eu não sabia nada sobre. Eu pagava metade do nosso aluguel, da nossa alimentação, R$ 800 reais de creche e, quando saíamos, metade da conta.

Eu fiquei tão triste e me sentindo tão imbecil que fui embora de casa sem dizer nada.

Até hoje ele pega Miguel em suas folgas. Claro que depois do seus esportes, viagens e trabalho. Por uns três anos, após eu pedir, ele pagou por algumas atividades extras do Miguel. Depois que casou, sua esposa o proibiu e também pediu que ele diminuísse o contato. Ele aceitou e me disse: “não me casei no papel para separar”.

Opiniões sobre esse caso existem milhares. A maioria “ME” julgando.

O que sei é que sou uma mãe “do caralho”, que evolui à medida que a energia vital deixava.

Ontem Miguel passou o dia com o “pai”, que permiti estar na vida dele só por ele, meu filho, que o ama muito e até adoeceu quando tentei afastar.

Não tive bom exemplo de avô (era um louco, violento, alcoólatra, escroto do caralho). Tive um pai extremamente desequilibrado (e ainda assim, sofro horrores com a sua falta). Não tive a oportunidade de oferecer um bom exemplo de pai para meu filho, mesmo ele dizendo para as pessoas que tem dois.

E no fim dessa história toda, ainda sei que a maior parte dos questionamentos será a respeito da minha conduta e não desses trastes.

Desejo parabéns a todas as mulheres que abdicaram de especializações, de saúde com o corpo, de viagens e momentos para si com o intuito de cuidar dos filhos.

E aos pais que são pais de verdade, que compartilham a responsabilidade ao invés de “ajudar”… vocês não fazem mais que a obrigação.

 


Carol Oliveira é mãe orgulhosa do Miguel

 

 

‘Voz a quem pariu’

A intenção da série “Vozes que pariram“, deste blog de crônicas, é tirar da invisibilidade histórias de lutas de mães, para provocar debate, reflexão e, quiçá, mudanças de mentalidade que melhorem as relações. Clique na foto da mãe com bebê para ler o texto de apresentação e envie sua contribuição se conhecer uma história que promova o objetivo deste projeto.

1 comentário

    • Márcio Pelegrina em 22 de agosto de 2018 às 10:26

    Infelizmente existem muitos imbecis por aí que não deveriam bem ser chamados de homens, pois não passam de moleques, no pior sentido da palavra. Parabéns a esta mãe guerreira que certamente ensinará ao filho a respeitar uma mulher como se deve.
    Parabéns também ao Palavreira por este novo canal no blog. Extremamente necessário.

Comentários foram desabilitados.