por Dani Ramos
Meu amor chegou na minha vida assim como uma brincadeira, um acorde, uma música. Mal sabia eu que era Deus brincando comigo e deixando minha vida mais feliz.
Um encontro casual, uma sexta-feira 13 de agosto, uma afinidade imediata, uma banda cover. E o desejo de um reencontro.
Meu amor despertou em mim o desejo de ficar colada pele com pele e trouxe a ternura pelo seu toque suave.
Nos despedimos várias vezes ao longo da nossa jornada.
A primeira foi doída, sentida a cada dia como se fosse uma eternidade.
O reencontro nos deu a certeza de um amor pra vida toda.
Vieram outras separações e todas nos fizeram crescer e afirmaram o quanto nos queríamos.
Sua última partida, essa sem possibilidade de retorno, me deixou perdida no espaço, fazendo força para acreditar que poderemos nos ver novamente.
E Deus, o cara que brincou comigo e me deu a felicidade em forma de luz?
Será que conseguirá me trazer de volta a paz?
Quando meu amor adoeceu senti raiva. Raiva da sua falta de cuidado, da mensagem incompreendida e da condenação divina.
Basta! Era tudo o que eu queria gritar.
Ofereci meu colo e seguramos nossas mãos unidas, como uma rede que pudesse nos proteger daquele feitiço sem volta.
Meu amor não entendeu minha ira, mas aceitou meu colo e juntos fomos em busca de socorro.
A viagem foi longa, entrei e saí do barco, o enjoo veio, mas ele se manteve no comando, sem deixar que a água invadisse e transformasse terra fértil em lama.
Meu amor tinha uma estranha mania de se calar e deixar que sua voz riscasse o papel. Eu gostava de admirá-lo enquanto deslizava o lápis sobre a folha branca ou enchia uma tela de cores.
Brincávamos de ser gente grande, de viajar, de ganhar o mundo com a arte, com nossos sonhos.
Sonhamos juntos e sonhamos separados.
Nos falamos com palavras e com olhares.
Meu amor me acordava com cheiro de café coado, pão na chapa quentinho e frutas picadas. Ganhava um beijo, um abraço desajeitado enquanto escovava os dentes.
Me enchia de cuidados, vigiava minha postura, fazia questão de me ver sorrindo, insistia para que eu me alimentasse bem.
As vezes saía e me deixava dormindo só para eu poder acordar com sua mensagem, um desenho e o pedido de contato.
Outras tantas me acordou com muita insistência, quase me arrastando para a vida.
A noite era plena para ele, seu corpo era embalado pelo próprio ronco. A minha era de luta com o meu próprio corpo, com os sons internos e externos.
Não se queixava do meu peso em seus braços. Mal se movia para não me acordar. Repousava sua mão no meu seio, colava seu corpo ao meu e me fazia sua.
Seu olhar sempre pedia mais de mim.
Gostava do riso fácil e da minha vontade de viver, detestava brigas e cobranças.
Meu amor me olhava com admiração enquanto eu contava histórias ou defendia pontos de vista.
Seu silêncio era minha calma e meu desespero.
Quando meu amor morreu, achei que tudo seria mais leve, que meu coração estaria aliviado por ver seu sofrimento acabar.
Pouco antes de partir, meu amor chamou pelo meu nome. Não disse o que queria, mas nós dois sabíamos o que era.
Então, disse em seu ouvido o que gostaria que ele sentisse em seu coração.
Soprei de leve as palavras de amor que costumávamos trocar.
Depois disso, ficou apenas um rasgo em meu peito, uma cicatriz eterna na alma.
Nosso tempo unidos eternizou o laço que construímos.
Vivo hoje uma viuvez sem papel, sem título, sem documentos.
Marcou tanto minha existência que todo o resto se fez pequeno.
Carrego comigo o mesmo anel que ele mantinha no bolso.
Arrumei suas coisas, me preocupei em embalar tudo como ele mesmo faria.
Guardei comigo sua camiseta mais amada, uma roupa íntima, seus desenhos e livros, um pouco do que marcou a nossa bela história.
Preocupei-me em dar asas e voz ao que ele sempre amou.
Procurei seus amigos e pedi colo, compreensão, troca. Encontrei mais que isso… me deram amizade. Na dor compreendi sua escolha por pessoas que o alimentaram tanto.
Mais que isso, aceitei o presente que meu amor me deixou.
Suas mãos sempre foram quentes, me encheram de amor e aqueceram meu coração. Repousava sua mão na minha coxa como se nos mantivéssemos de mãos dadas enquanto eu dirigia.
Quando nos despedimos, suas mãos estavam perdendo a quentura e levemente fomos nos desconectando.
Meu amor era assim, se preocupava tanto comigo que me deu tempo para que me acostumasse a andar com as mãos vazias.
Dani Ramos é jornalista e a pessoa mais afetuosa e sensível que conheço.