Toda noite acho que é COVID, mas é alergia. O que significa que toda noite tenho uma reação alérgica. A pele do pescoço e do rosto pinicam. Penso em galinhas. Passo a mão como quem quer espantar minúsculas formigas. Cisco. Vou até o espelho para ver se encontro quem ou o quê me provoca essa reação e não vejo nada além das pisadas, pisadinhas, pequenas marcas vermelhas que poderiam ser deixadas por carrapatos, carrapatinhos. Às vezes incham. E no tempo de um espelho a outro já desincham. Muitas vezes somem, o que me faz duvidar da imagem que vi, poucos segundos antes. Lembro de que uma vez viajei de carro com meus pais e no meio de uma estrada desconhecida, por onde nunca havíamos passado, meu pai precisou fazer um retorno e me perguntou, enquanto olhava para um dos lados: está vindo algum carro desse lado aí?, e respondi que não e imediatamente fui atravessada por uma questão: será que eu vejo o mesmo que os outros? O medo que senti em falar “não” e ser morta em seguida, com meus pais, por um outro carro que nos atravessaria. É possível não ver um caminhão? O verde que eu vejo é o mesmo verde que você vê? E se for azul? E se for flicts? Não verbalizei a dúvida para os meus pais e deu tudo certo com o retorno. E será que tem mesmo alguma picada na minha pele? E coceira? Picada ou espinha? Espinha ou nada? É febre essa quentura que às vezes toma meu rosto? Essa dor no corpo que sinto toda noite quando deito, está aqui? É minha? É dos meus filhos que dormem no quarto ao lado? Por quem eu choro no chuveiro para que meus filhos não vejam? Difícil pensar que todas as pessoas, ou quase todas as pessoas, estão nos dando e fazendo o melhor que podem. Eu também estou tentando dar e fazer o meu melhor, diariamente, penso enquanto choro e tento me dar algum colo, e tudo parece tão pouco. Tão insuficiente. E a cabeça coça. A planta dos pés. Os joelhos incham, como nos dias de adolescência em que eu comia muito doce com corante. Não sei se é dor. Não sei nem se é alergia. Menopausa ou crise de ansiedade? Menopausa e crise de ansiedade? Em vez de remédio li Maya Angelou. Li alto. Li pra fora. Li com o livro na altura dos olhos. Li andando de um cômodo a outro enquanto as formigas escorregavam pelo caminho. Pisei em todas. Não sobrou nada além do silêncio que fica no rastro da poesia.
Essa semana ouvi a voz da Elidia, depois de mais de um mês na UTI, e é aniversário do meu pai. Há muita dor. E há muita alegria.