Tão simples que parece complicado

José Eduardo Gomes de Carvalho*

A ansiedade digital do século 21 fez da gente comum que sonha em ser feliz um alvo fácil para processos estressantes de sobrevivência, que geram pessoas crispadas e agressivas – e, portanto, infelizes. Daí que é automático concluir que a busca pela felicidade mais parece uma lenda. E o próximo passo é virar mito.

A desenfreada procura do ser humano pelo prazer e pela satisfação, ou pela felicidade, enfim, é tão antiga quanto a descoberta do fogo. É verdade que, em certos momentos de nossa vida, falar de felicidade parece um delírio diante dessa necessidade de terminar cada dia, cada mês, mas retomar essa busca sistematicamente pode ser uma saída para os males imediatos, nem que seja por míseros instantes.

Sábios pré-socráticos, filósofos de todas as correntes, acadêmicos e religiosos de vários matizes tentaram ao longo dos séculos dimensionar e tornar palpáveis fórmulas de felicidade, segredos da busca pela realização pessoal e pela convivência feliz. Foram esforços, na maioria, em vão, incluindo as peripécias dos milhares de picaretas da autoajuda, praga típica do mundo contemporâneo, instantâneo e fugaz.

Pois um psicólogo norte-americano, Daniel Gilbert, desconstrói alguns dogmas e derruba barreiras seculares para elaborar um plano de felicidade que não requer habilidades especiais nem grandes posses materiais. Gilbert, além de tudo um exímio argumentador, não se baseia em suposições, mas em minuciosos estudos de comportamento que tornaram as conclusões de suas pesquisas um conjunto de observações com alicerces na Ciência e não em pirotecnias impalpáveis.

PhD em Princeton e professor de Harvard, 60 anos, este pesquisador que abomina os manuais de autoajuda transformou-se num concorridíssimo consultor internacional de vários segmentos, em especial depois do mais lido de seus inúmeros livros publicados, que no Brasil, aliás, recebeu um título empapado de autoajuda, “O que nos faz felizes” (Editora Campus-Elsevier). No original se chama “Tropeçando na Felicidade” (Stumbling on Happiness).

Gilbert não faz suposições nem análises subjetivas. Seus levantamentos são diretos, atingem os alvos sem muito trololó, como a pesquisa com cinco mil pessoas de todas as idades e classes sociais que respondiam coisas como “o que faria você feliz neste exato momento?”, após um telefonema de surpresa – no trabalho, de madrugada, durante as férias. Para o cientista, não se trata de desprezar o que já foi feito por grandes cérebros da história. Ele preza demais, por exemplo, as distintas correntes hedonistas, que basicamente defendem a “felicidade que é simples”, a realização do indivíduo com as coisas básicas a seu alcance e sem nenhum malabarismo financeiro. Mas pondera que os estudos acadêmicos do mundo moderno, individualista e tecnológico, foram revelando, nem sempre para o bem, as atitudes de pessoas de todas as idades, crenças e situações sociais.

Do ponto de vista científico, que é o que interessa a Gilbert, é possível detectar perfeitamente, com os instrumentos à disposição dos estudiosos, o que é o conceito de bem-estar que mais se aproxima do mundo real. E as conclusões apontam para um panorama de surpreendente simplicidade para que a maioria das pessoas se sintam de fato felizes.

Nos resultados da equipe do especialista, quatro pontos são levantados como fundamentais para se atingir um estado seguro de felicidade: exercício físico, conversas/reuniões com amigos, música e sexo. São atividades que elevam corpo e espírito a um patamar de satisfação suficiente para compensar, com lucro, as mazelas da vida e abrir caminho para o equilíbrio pessoal.

Todos os outros itens eram de alguma forma ligados aos temas principais, tais como viajar, passear e conversar com os filhos, curtir os animais de estimação, consumir a comida preferida.

Do escopo da pesquisa não constavam questões nem respostas de alta especificidade, mas coisas como dinheiro, poder/prestígio, uma casa na praia, consumo exagerado ou um carrão da moda pouco apareceram quando as pessoas se referiam à felicidade duradoura.

Nas conclusões do grupo de Daniel Gilbert, o que ficou de mais representativo foi que todos os quatro requisitos para ser feliz podem ser atingidos a custo zero. Ao contrário, ficaram em segundo plano grande parte dos prazeres efêmeros/materiais, estes, sim, que podem custar o olho da cara.

Trata-se da velha diferença entre ter e ser. Tão escandalosamente simples que até parece complicado. É ou não para se pensar?

 

* José Eduardo Gomes de Carvalho é jornalista, “explorador do mundo”, mentor e amigo para toda a vida


 

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2 comentários

    • Márcia em 15 de agosto de 2018 às 14:59

    Me fiz a pergunta: o que me faria feliz agora? E a resposta é uma desas quatro eleitas aí. Legal!

    • Elivanete Zuppolini Barbi em 15 de agosto de 2018 às 10:51

    Crônica gostosa de ler, simples, mas profunda o suficiente pra nos fazer pensar que o importante mesmo são as “pequenas” felicidades. Como tomar um xícara de café quente, em casa, numa tarde fria e chuvosa, olhando o jardim pela janela. E às vezes a gente corre tanto atrás de bons empregos, carreira, aumento de salário …

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