Um Ângelo de Jesus

Um homem tentou invadir a entrada principal do Palácio do Planalto.

A manchete é antiga. Mas ficou gravada. Os jornais, os sites e blogs remetem a um terrorista, munido de fuzil e granadas para passar por cima de quem quer que encontrasse pela frente, disposto a chegar ao gabinete presidencial e fazer sabe-se lá o quê com o presidente.

Um atentado? Jogar uma bomba? Nada disso. A cena era outra.

O que queria o  lavrador baiano Ângelo de Jesus, de Pindobaçu, nas salas refrigeradas do Palácio? Que mal poderia fazer um Ângelo, ainda mais de Jesus, ao presidente popular, a não ser pedir socorro, como pediu ao ser dominado pelos seguranças bem nutridos, no chão e algemado como mostra a foto? “Socorre eu, socorre eu, presidente”, suplica Ângelo.

De qualquer forma, entrando ou não na sala do presidente, seu pedido seria de socorro. Um homem que se aporta da Serra das Esmeraldas até Brasília e passa quatro dias sem comer para falar com o chefe da nação só pode estar em desespero. O desespero que ainda se avizinha de milhões de brasileiros diariamente, desempregados, subempregados, assistindo aos desmandos e à indiferença oficial, ao desvio de dinheiro público, às obras abandonadas de estradas, escolas e hospitais, enquanto nos ambulatórios superlotados de doentes e lamentos  os médicos não sabem a quem socorrer primeiro, a quem escolher para viver.


“Socorre eu, socorre eu, presidente”, suplica Ângelo


Por que um lavrador estava há quatro dias sem comer? Justo um lavrador, um homem que aduba a terra, planta e reza para a seca não matar e sobrar um saco de feijão para alimentar a família durante o ano?

Alguma alma boa, um bombeiro talvez (os bombeiros têm alma boa), deve ter dado a ele um prato de comida, um sanduíche algum pão com ou sem manteiga….

Será que deram? Prefiro pensar que sim. E um copo d’água. A reportagem não diz.

Os jornais não contaram a história de Ângelo de Jesus, aquela bela matéria de interesse humano, com uma trajetória comum a todos os pobres e esquecidos nos rincões de norte a sul, ainda mais esquecidos nos nordestes.

Não. Foi só um fait divers. Quem se importa com a vida de Ângelo? Quem se importa com o Brasil?

 


A jornalista e escritora Matilde Leone publica sua crônica na seção “Delírios de Matilde” sempre às sextas-feiras.