Um certo impostor chamado Shakespeare

Algo em um comentário de Rubens Ewald Filho, sobre o roteiro contestar a autoria da obra atribuída a William Shakespeare, chamou minha atenção para o filme “Anonymous” (“Anônimo”), dirigido por um Roland Emmerich irreconhecível. Mais do que o argumento, os apelos combinados de “trama de época” + “teatro como pano de fundo” atraíram-me com a perspectiva de um filme que enaltecesse a palavra e valorizasse as interpretações – características que nunca fizeram o estilo do diretor de “2012”, “10.000 a.C”, “Independence Day” e “Stargate”.

Para minha total surpresa, foi exatamente o que encontrei em“Anônimo”, que transforma Shakespeare em personagem secundário, rebaixando-o a um ator semi-analfabeto e chantagista, cuja maior esperteza é agarrar a chance de assumir a autoria das peças que um nobre apaixonado por literatura e poesia escrevia clandestinamente, para não envergonhar a família.

Rhys Ifans (o semi-retardado colega de Hugh Grant em “Nothing Hill”) – também irreconhecível, porém convincente em papel dramático – interpreta o Conde de Oxford, um protegido da Rainha Elisabeth I criado para ser um grande estadista, que frustra os planos de seu tutor graças à sua paixão pela escrita. Sua única forma de realização é doar as peças que escreve para montagem por uma companhia de teatro londrino, sem nunca poder assumir sua autoria ou aceitar os aplausos por elas.

No começo, o filme parece abordar apenas uma paixão subserviente à arte, mas sua história começa a se entrelaçar com a política da época quando o autor descobre a capacidade do teatro em traduzir para o povo a sua própria realidade.

Assim é que o teatro assume, em plena era elisabetana, sua função subversiva, tornando-se ao mesmo tempo palco e agente de transformações políticas.

Já disse neste blog que a obra de Shakespeare não me atrai por questão de preferência estética, mas não atrevo-me a negar sua importância para a história do teatro e como alegoria das paixões e arquétipos humanos. Foi divertido vê-la adaptada a um contexto histórico fictício.

Destaque para as interpretações de Vanessa Redgrave (grande dama do teatro e do cinema inglês) e Joely Richardson – mãe e filha da vida real – como Elisabeth em duas idades diferentes e para as de Sebastian Armesto (o autor Ben Johnson, depositário do segredo do conde-autor) e Rhys Ifans.