por Thiago Roque
O diretor Adam McKay colecionou elogios com “A Grande Aposta”, filme que destila sarcasmo e referências pop para explicar como os Estados Unidos quebraram financeiramente em 2008. Entre explicações sobre o quase incompreensível mercado norte-americano e definições econômicas criadas para serem inteligíveis, um elenco pra lá de competente mostrava como o cinismo, a ganância e o imediatismo criaram uma crise sem precedentes na terra do Tio Sam
Bom, “Vice” repete e melhora a fórmula na maneira de apresentar os fatos – agora, sobre a história e as histórias que cercam Dick Cheney, famoso político republicano que foi vice-presidente no governo George W. Bush (2001-2009).
Primeiro, os cortes de cena e as referências explicativas surgem mais equilibrados, com mais timing e menos exagero cinematográfico – tem uma cena com os protagonistas num jogral shakespeariano que é prova viva disso.
Segundo, o elenco à disposição entrega atuações pra lá de convincentes – Christian Bale arrasa em todas as fases de Dick; Amy Adams também faz por merecer cada elogio na pele de Lynne Cheney; e Sam Rockwell entrega um Bush-filho caricato e tão imbecil que é impossível não se divertir.
Christian Bale arrasa em todas as fases de Dick
Não à toa, os três estão indicados ao Oscar – Bale como Melhor Ator, Adams como Melhor Atriz Coadjuvante e Rockwell como Melhor Ator Coadjuvante. O estilo de McKay trouxe as indicações para Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original e Edição. De quebra, o longa completa suas oito chances da estatueta dourada com Melhor Maquiagem e Penteado – igualmente merecido, aliás.
Ah, é verdade, quase me esqueci: “Vice” vale cada indicação.
Muito por trazer à tona os mandos e desmandos de um vice-presidente que, nos bastidores, se recusou a ser um mero espectador da política norte-americana. E o fez por causa de sua trajetória: um jovem problemático, beberrão, que estagiou com figuras mais folclóricas do que competentes no Congresso dos Estados Unidos e foi, pela lealdade, se mantendo nas entranhas do poder em busca de uma redenção que nunca mereceu. Deixou como legado um gabinete pautado pela falta de transparência, a atuação pós-ataques do 11/9, a desnecessária Guerra do Iraque e, acredite, a gênese do Estado Islâmico.
Não bastasse todo esse menu político como espinha dorsal, Christian Bale coloca a película em outro patamar cinematográfico falando pouco e sendo muito. Conforme vai perdendo cabelo e ganhando (muito!) peso, distribui um sem-número de poses, sorrisos e trejeitos que parecem ter sido forjados com o personagem – ao ponto de, numa cena, um diálogo de Cheney com a mulher é feito durante a escovação dos dentes! E o único discurso mais longo do personagem é um mea-culpa ao avesso no melhor estilo “House of Cards”, mas já no final da fita.
“não é um filme fácil, de humor sandleriano e que vai entregar
a você uma biografia completa e mastigada do político republicano”
E ao mesmo tempo em que humaniza o político impopular (aqui, entram as cenas com a filha Mary), Bale mostra o motivo de Cheney ser uma pessoa tão criticada e tão pouco querida pela sociedade. E acredite: nada sobrevive à necessidade de ser relevante – nem mesmo o próprio Dick Cheney. Qualquer chance de torcer pelo político é encerrada logo depois de você pensar em simpatizar com ele, fique tranquilo(a).
Mas não se engane: “Vice” não é um filme fácil, de humor sandleriano e que vai entregar a você uma biografia completa e mastigada do político republicano – e isso pode jogar contra o sucesso do longa. Prepare-se para receber recortes da história de Dick Cheney – logo no começo, o diretor avisa que ele o elenco fizeram o melhor possível.
Talvez o suficiente para você clamar pelo “Volta, Temer”.
Thiago Roque é jornalista, cinéfilo e dono de um humor “ogro” engraçadíssimo!