A imprensa retratada no cinema

Por ser jornalista, sempre me interessou saber como o cinema retrata a imprensa em diferentes produções. Das que assisti até hoje, porém, foram poucas as que retrataram com um mínimo de fidelidade os bastidores do jornalismo ou o modus operandi de seus profissionais. Na maioria, os jornalistas são descritos de forma caricata – ou como profissionais sem ética obcecados por um furo ou como românticos “quixotes” desafiando o establishment – e quase sempre sem nenhuma preocupação com prazos de fechamento.

Os jornalistas das comédias românticas, então, sequer são vistos dentro de uma redação, pendurados ao telefone ou concentrados na tela do computador (como costumamos passar a maior parte de nosso tempo em serviço). Têm tempo para tudo, fazendo muitos espectadores acreditarem que o jornalismo é a profissão mais glamourosa do mundo.

“Adoro Problemas”, por exemplo, mostra Julia Roberts e Nick Nolte como dois jornalistas que se apaixonam enquanto disputam quem dá primeiro cada notícia. Festejados como estrelas em seu metier, eles vestem-se na última moda, misturam opiniões pessoais a fatos em seus textos e nunca estão dentro de uma redação (totalmente fora da nossa realidade).

“Sintonia de Amor” é uma ótima comédia romântica, a despeito da forma pouco realista com que retrata a jornalista interpretada por Meg Ryan. Também sempre bem vestida, a personagem nunca aparece fazendo uma reportagem ou sendo pressionada com prazos pela editora, que é muito boazinha, por sinal. Em dado momento até concorda em aprovar uma viagem, às custas da publicação, para a jornalista passar quanto tempo precisar do outro lado do país conhecendo quem ela acredita ser sua “pessoa certa” (acreditem, há editores legais, mas bonzinhos assim, JAMAIS!).

É uma delícia ver, em “Jejum de Amor”, de Howard Hawks (dos também ótimos “Levada da Breca” e “À Beira do Abismo), as mil confusões que o editor interpretado por Cary Grant apronta para impedir o novo casamento da ex-mulher, também sua melhor repórter. Rosalind Russel está fantástica no papel, tanto que sua interpretação inspirou outros personagens jornalistas do cinema – Jennifer Jason Leight , por exemplo, a reverenciou em sua interpretação da jornalista carreirista de “Na Roda da Fortuna”, filme-homenagem dos irmãos Coen ao cinema de Frank Capra -, mas sua personagem também era glamourosa demais para ter alguma conexão com a realidade.

Neste gênero, só me lembro de um filme que retrata com alguma veracidade os bastidores da imprensa. “O Jornal” acompanha apenas um dia na redação de um tablóide americano em que o editor (Michael Keaton menos canastrão que o habitual) tenta conciliar as demandas da esposa (Marisa Tomei) – também sua melhor repórter, em licença-maternidade e carente de atenção – com a administração de uma equipe de repórteres que manda para a rua levantar todos os lados da manchete do dia.

Glenn Close está fantástica como a administradora que ele tem que tourear para conseguir mais prazo para apurar bem a história, sob pena de dois inocentes serem condenados pela opinião pública. “Publique que foram eles hoje. Amanhã publicamos que não foram”, diz ela tentando convencê-lo a cumprir o deadline (horário de fechamento) da gráfica.

Uma das passagens de que mais gosto no filme é aquela em que o editor (Robert Duval) narra para uma Glenn Close obcecada por prestígio um episódio em que ele, então correspondente internacional em um evento mundial, aceita, junto com outros colegas, o convite de um artista para badalar em um bar chique. Todos se divertem até chegar a conta, astronômica, que ninguém conseguiu pagar. Era sua forma de fazer a deslumbrada em questão entender que “apesar de circular neste mundo (das celebridades), nós (jornalistas) não fazemos parte dele” (você aí, que pensa em seguir a carreira, LEMBRE-SE BEM DESTA LIÇÃO).

O Dossiê Pelicano” não é comédia romântica, mas também trata o repórter interpretado por Denzel Washington como uma espécie de superstar da notícia, que de repente toma ares de detetive-herói quando começa a ajudar a estudante de Direito vivida por Julia Roberts (dá um tempo, né?)

Os verossímeis

Quem diria que num filme de ficção baseado em quadrinhos encontraríamos um exemplar verossímil de muitos editores inescrupulosos e carrascos que existem por aí? Não sei os demais coleguinhas, mas a mim o personagem J. Jonas Jamison, da trilogia “Homem Aranha“, soa muito familiar.

Mas é no gênero drama que o jornalismo encontra seus críticos mais ferozes. Grande clássico da sétima arte, “A Montanha dos Sete Abutres” (Billy Wilder, claro!) traz Kirk Douglas (ótimo, sempre!) na pele de um jornalista inescrupuloso que faz de tudo para voltar a ter prestígio, retardando o salvamento de um mineiro que está preso nos escombros de uma mina para alimentar sua coluna.

No cinema brasileiro, o filme que melhor enfoca os bastidores da imprensa, em minha opinião, é “Doces Poderes“, não por acaso dirigido por uma jornalista, Lúcia Murat. A história principal gira em torno de uma editora (Marisa Orth, desconfortável em um drama), que chega à redação de uma TV de Brasília para comandar a cobertura das eleições.

O filme é cheio de depoimentos em primeira pessoa de outros personagens jornalistas que falam dos “sapos” que têm que engolir na profissão, principalmente neste tipo de cobertura. Os “coleguinhas” também vão reconhecer cenas muito familiares, como Marisa Orth correndo contra o tempo para editar a fita de uma reportagem que acaba de chegar “da rua” e precisa entrar na edição do jornal a minutos de entrar no ar.

Mas, de todos os filmes que retratam a imprensa que já vi ,existe um, baseado em fatos reais, que está no topo da minha preferência, e não é o semi-documental “Todos os homens do presidente“, que toda faculdade de jornalismo obriga seus alunos a assistirem por mostrar os bastidores da investigação sobre o famoso caso Watergate, responsável pela renúncia do presidente Richard Nixon.

Adoro e RECOMENDO a todos “O Informante“, com os fantásticos Al Pacino e Russell Crowe nos papéis, respectivamente, de um pauteiro do jornalístico televisivo “60 Minutos” e sua fonte, um ex-executivo de uma indústria de cigarros. Por ser baseado em livro do próprio Lowel Bergman (o jornalista em questão), que narra sua história real, mostra com fidelidade os bastidores da imprensa norte-americana.

Bergman e Wingand (o executivo) sofrem o diabo depois que o primeiro convence o segundo a testemunhar contra toda a indústria, que subtraiu ao público a informação de que cigarro vicia. A postura do jornalista na defesa de sua fonte, contra toda a campanha de difamação e de destruição que a indústria arma contra ela, é de dar orgulho a qualquer “coleguinha”. Este sim deveria ser obrigatório nas faculdades de jornalismo… e na disciplina de “Ética na comunicação”.

Por fim, antes que alguém me acuse de ter esquecido de citar o clássico supremo “Cidadão Kane“, lembro que o foco do filme nem está sobre o personagem de um simples jornalista, mas de um magnata da imprensa – ou seja, sobre um “dono de jornal” – por isso, não há como analisar a verossimilhança do filme para com o jornalismo real (pelo menos do meu ponto de vista).

Bem, estes são alguns dos filmes que eu vi retratando, bem ou mal, a imprensa. Se alguém mais – jornalista ou não – tiver mais lembranças ou indicações a fazer, por favor, manifeste-se.