Em um dos últimos episódios da série “When We Rise” – que no Brasil será exibida pelo canal Sony sob o título “A Nossa Luta” -, o ativista gay pelos direitos humanos Cleve Jones descreve a um jovem que o entrevista uma ameaça que sua geração não previu: “vocês”, dispara ele – “Sua geração está dormindo (…) como é fazer parte de uma geração sem objetivos?”.
Cleve tem moral para fazer a provocação. Àquela altura, já acumulava, ao lado de outros biografados na série, como Roma Guy, Diane Jones, Ivory Aquino e Ken Jones, 40 anos de militância política pelos direitos humanos e civis da comunidade LGBT, responsável por conquistas como tratamento médico gratuito e irrestrito a doentes de Aids e a derrubada de leis que marginalizavam social e economicamente esta e outras minorias.
Tudo isso enfrentando obstáculos tão gigantescos quanto a epidemia de Aids, que começou sendo chamada de câncer gay e considerada por conservadores “uma resposta de Deus ao pecado da homossexualidade”.
Não pude evitar uma reflexão sobre se este questionamento não serve também para nossas últimas gerações brasileiras – a minha inclusa -, que gozam a liberdade civil pós-regime militar pela qual milhares morreram, mas, por outro lado, assistem quase passivamente a pessoas padecerem por falta de atendimento digno e eficiente de saúde e outros direitos essenciais, só preocupando-se com o seu quintal.
Dá inveja assistir o quão corajosos esses
militantes se mostravam, mesmo assistindo a
amigos morrerem de aids abandonados pelo sistema
Dá inveja assistir o quão corajosos esses militantes se mostravam, mesmo assistindo a amigos morrerem de aids abandonados pelo sistema ou perderem bens e direitos construídos numa vida inteira de relação para usurpadores protegidos pela lei americana, que não estendia os direitos civis a uniões homoafetivas.
Só a história de Cleve, que aos 18 anos deixou um lar rico, cujo pai psiquiatra queria “tratar” sua homossexualidade como doença mental (se preciso com eletrochoques), já emociona. Ele inicia sua militância como assessor do primeiro político assumidamente gay a ser eleito para um mandato político em São Francisco (Califórnia/EUA) – Harvey Milk, o biografado em “Milk – A Voz da Igualdade”, que rendeu um Oscar de Melhor Ator a Sean Penn, com direito a (merecidos) aplausos em pé.
A militância de Cleve e dos outros biografados não para quando Milk é assassinado. Ao contrário, cresce na adversidade.
O diretor Gus Van Sant faz um belíssimo trabalho entrelaçando as histórias pessoais cheias de episódios de discriminação, violência e discursos de ódio desses ativistas com a dos movimentos, sem esquecer o pano de fundo político de cada época.
“When We Rise” está no patamar de produções como “The Normal Heart” e “Stonewall”, que contextualizam as lutas da comunidade LGBT, mas que se parecem com todas as histórias de coragem de quem luta por seus direitos em meio à injustiça. Mais do que recomendáveis, elas deveriam ser obrigatórias para – quem sabe? – todos aprendermos a acordar também.