Desde que começou toda a polêmica sobre o estupro coletivo no Rio de Janeiro tenho me lembrado cada dia mais do filme “Acusados” (The Accused), de Jonathan Kaplan. Por ter sido dirigido lá pelos idos de 1988, ingenuamente acreditei, no começo de todo o processo no Brasil, que estávamos muito à frente dos exemplos de sexismo e preconceito abordados naquele filme.
Só que não.
A Sarah Tobias que Jodie Foster interpreta em “Acusados” é uma sensual jovem de classe média baixa na casa dos 30 anos, que vai a um bar se divertir para esquecer a briga com o “namorido”. Acaba estuprada por um grupo de homens sobre uma mesa de bilhar. E, para seu horror, ela não passa pela experiência desacordada como a jovem brasileira filmada com suas partes íntimas sendo manipuladas e expostas para uma câmera de vídeo.
O filme começa na cena em que um jovem liga para a polícia de um orelhão para denunciar a “curra” (gíria para o estupro coletivo) no exato momento em que a vítima consegue sair correndo do bar, machucada e em choque. Daí até assistirmos à cena crucial de que trata todo o filme, demora quase o filme todo.
Parece enfadonho, mas acredite, não é.
A escolha do diretor por uma narrativa fragmentada obedece ao nobre propósito de municiar o espectador com os pontos de vistas de todos os envolvidos no fato, para que possamos refletir sobre as motivações tanto dos acusados quanto da vítima. O expediente, que acaba por humanizar (não isentar”) os acusados, evita pra nós a armadilha fácil de escolher um lado logo de cara.
No julgamento, a acusação faz o comportamento extrovertido de Sarah – que após alguns goles de álcool dança sensualmente para a plateia masculina – parecer um incentivo e um indício de que ela queria o que aconteceu a seguir. Até parece que é ela a julgada. Entendemos que tentar criminalizar Sarah não é só uma estratégia dos acusados, mas um senso comum de que uma mulher que dança e flerta em um bar está “pedindo” para ser estuprada.
O primeiro julgamento parece anunciar o final do filme, mas então assistimos a Sarah enfrentar o escárnio e desrespeito da sociedade em seu dia a dia. Isso faz a advogada decidir comprar mais uma briga, desta vez contra quem aplaudiu e incentivou o estupro e até quem simplesmente estava lá e nada fez para impedi-lo.
O recado de “Acusados” é claro: absolver e aprovar o estupro sob pretexto de que a vítima “o provocou” tem o mesmo peso de praticá-lo. Desse ponto de vista, condenar os acusados não só faz justiça, mas educa uma sociedade ainda inconsciente do seu machismo estruturado.
Acho que tão importante quanto saber o resultado do segundo julgamento do filme é ouvir os argumentos de defesa e acusação, novamente incentivando-nos a refletir e a nos questionar: a qual grupo pertenceríamos naquele julgamento se também tivéssemos estado naquele bar?