por Silvia Pereira
Um dos títulos concorrentes ao Oscar 2019 de Melhor Filme, “Bohemian Rhapsody” é, antes de tudo, um filme de fã. Uma cinebiografia “baba-ovo” total do grupo de rock inglês Queen. E digo isso “pagando pau”, porque… SIM!… estou entre os mais fervorosos fãs da banda que revolucionou o mercado fonográfico com a gravação, em 1975, do hit homônimo ao filme.
Ainda hoje me arrepia ouvir o vocal a capela que introduz “Bohemian Rhapsody” (“Is this the real life / Is this just fantasy…”). Igualzinho ao que senti na primeira vez que a vitrolinha verde de casa reproduziu os discos da banda, que minha irmã trouxe emprestados de um vizinho. Eu devia ter uns 9 anos de idade e, desde então, as músicas do Queen, com seus arranjos malucos e vocais grandiosos, vêm ocupando uma posição majoritária na trilha sonora da minha vida, fabricando e evocando memórias afetivas.
“Bohemian Rhapsody”, a música, tem 6 minutos (impensáveis para a época) de duração, solos de guitarra do rock, vocais operísticos, “trama de tragédia grega e a alegria descontrolada do teatro musical”, nas palavras do vocalista Freddie Mercury, sobre quem a cinebiografia, de fato, se detém.
Mas este clássico maior – longe de ser o único do Queen – não é a única justificativa para o filme de Bryan Singer compartilhar seu título. “Rapsódia” era como os gregos antigos chamavam trechos de poemas épicos e hoje define um tipo de composição musical que tem a mistura de ritmos e temas como principal característica. Épico é um adjetivo que se ajusta perfeitamente ao estilo megalômeno de criação, de Mercury em particular, e de todos os Queen em algum grau. E mistura… bem… quem conhece o som sabe como isso tem tudo a ver com os caras. Já “boemia”, no sentido clássico do termo, foi o estilo de vida ao qual Mercury entregou-se de cabeça, segundo o filme tentando anestesiar-se da paradoxal solidão da fama.
A primeira cena já entrega que ele será o foco principal da narrativa. O olhar de Rami Malek, assustadoramente parecido com o do músico, ocupa a tela toda. A câmera vai abrindo e passa a segui-lo até ele se materializar nos bastidores do show que, saberemos mais tarde, será um marco na história do grupo.
Daí em diante a narrativa segue uma ordem cronológica, que começa quando Mercury, Brian May (o guitarrista) e Roger Taylor (baterista) se conhecem – o baixista John Deacon foi o último a subir a bordo. O som de fundo dessa overture é a também fodástica “Somebody To Love”, do disco “A Day At The Races” (1976).
O recorte temporal segue até o tal show para o qual Mercury se prepara nas primeiras cenas. Entre um e outro estão as histórias de seu primeiro e grande amor (hétero), o processo de criação de “Bohemian Rhapsody” (os fãs vão babar), as desavenças entre os membros do grupo e os excessos que levaram o vocalista ao diagnóstico de Aids em um tempo anterior ao coquetel medicamentoso que hoje prolonga a sobrevida dos soropositivos.
Feitos todos os descontos aos resumos inevitáveis – afinal é preciso fazer caber mais de 20 anos em 2h15 de filme -, Bryan Singer saiu-se muito bem na costura da “colcha de retalhos” formada pelas histórias da história de Freddie Mercury e o Queen. Embora o foco mantenha-se o tempo todo no vocalista, as cenas dão conta de destacar, usando detalhes, as principais características de cada integrante: Taylor é o esquentadinho namorador, May o virtuoso disciplinado e Deacon o quieto conciliador. Todos abertos ao experimentalismo e à ousadia, musical e midiática.
O humor é inglês (adoro!). E como em um autêntico filme de fã, a romantização é a tônica. Por isso a narrativa apenas sobrevoa o lado controverso da personalidade de Mercury – os excessos com álcool, sexo e drogas são sutilmente citados, embora muito bem entendidos – e um pouco de equilíbrio se perde nessa simplificação. O que se sobressai é a grandeza do legado musical de Mercury, o que é legítimo, mas eleva-o a uma dimensão menos humana. E o barato de biografias é justamente humanizar os ídolos, mostrando-os com todos os seus defeitos e qualidades. Aqui o fã é levado a relevá-los.
A atuação de Rami Malek, vencedor do Oscar de Melhor Ator pelo papel (também levou o Globo de Ouro), é muitíssimo convincente. No entanto, é preciso desculpar o desconforto que ele demonstra, em algumas cenas, com a prótese que usa na boca para reproduzir a dentição pródiga de Mercury.
Todos os atores estão impressionantemente parecidos com os músicos que interpretam. Fizeram direitinho o dever de casa, imitando trejeitos, modo de falar, tocar, movimentar-se no palco…
E a trilha sonora… ah, a trilha sonora!!! É Queen, né?! Ame ou odeie, indiferente não é possível ficar. Faz o fã sair do cinema direto para o local mais próximo onde possa ouvir os sucessos preferidos da banda no último volume.
Aliás, é o que vou fazer em 3, 2…1.
7 comentários
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Filme fantástico, adorei seu texto,bjs
Somente agora pude ler o seu texto. Realmente retratou o que vi no filme. A parte final do filme que foi o festival Live Aid em 1985 mostrou uma atuação espetacular, talvez uma das mais fantásticas atuações que já vi no cinema.
Excelente! Traduziu com clareza as minhas sensações. Bjos
Perfeito texto para retratar um filme perfeito sobre uma banda ímpar na música mundial. Apenas discordo do ou ame ou odeie, pois acho improvável alguém odiar algo tão bom. No mínimo ter muito respeito, pois são músicos incríveis.
Amo Queen. Uma banda maravilhosa! Músicos inigualáveis. Fredy Mercury foi um ícone. Sua voz, inconfundível! Assisti o filme e me emocionei muito… me levou ao passado.
Mulher!!!!! Que texto maravilhoso! The Oscar goes to…..
Adorei seu texto. E amei filme. Acho que ele merece o Oscar sim, e Rami Malek também. Aliás, não concordo que ele tenha ficado desconfortável com os dentões. rs. Um abraço.