ANA CÂNDIDA TOFETI DE OLIVEIRA *
Agosto de 1996. Sexta-feira de “pescoção” (plantão para fechar duas edições) na Folha de S.Paulo sucursal Ribeirão Preto. Eu ainda de luto pela morte repentina de um primo querido. Por volta de 22h, já havia fechado o jornal do dia, mas faltava o de domingo ainda. Os computadores, aqueles de tela preta com letra laranja, travaram. Perdi o artigo de um professor que deveria ser publicado na editoria opinião da edição dominical. Bom lembrar que neste ano a Internet era para poucos, só podia ser acessada no computador do editor-chefe e ainda era discada: lentidão total. Celular também era objeto de luxo.
Como achar o tal professor para mandar novamente (por fax) o texto ou me ditar pelo telefone, como havia feito anteriormente, se ele estava numa casa de praia que nem telefone fixo havia quanto mais sinal de celular? A solução era substituir por outro artigo assinado, mas como encontrar algum numa noite gelada de sexta-feira? Apelei para um professor que havia dado aulas com meus pais. Ele tinha um artigo inédito pronto e fez a caridade de me levar (impresso) até à redação para que eu pudesse digitar e publicar. Isso já era quase meia-noite. A primeira batalha estava vencida. Mas ainda faltavam duas matérias para fechar. Estavam apuradas, mas tinha que escrever e aguardar a edição. Assim o fiz. Sai da redação de madrugada e no outro dia às 8h começava o meu plantão.
“neste ano a Internet era para poucos, só podia ser acessada no computador do editor-chefe e ainda era discada: lentidão total. Celular também era objeto de luxo”
Chegando ao Jornal, comecei pela ronda policial e logo na primeira ligação fui informada do furto de um avião em uma propriedade rural da região. Apurei tudo por telefone porque a matéria ia render chamada na edição nacional. No meio da tarde, quando estava finalizando a matéria e acabando de apurar outras me veio uma crise de choro. Uma mistura de cansaço, com tristeza e a sensação de que não era isso que eu queria para minha vida.
Estava sentada, em frente ao computador, no canto da sala, e bem nessa hora o telefone toca. A pessoa do outro lado se identifica como Sílvia Pereira. Estava vendendo uma pauta (trabalhava na época como assessora de imprensa). A pauta não me lembro mais, mas o que ela me falou mudou o rumo da minha vida: inesquecível. Percebeu que eu estava chorando, que não estava bem emocionalmente. Mesmo sem me conhecer, se importou comigo e se colocou no meu lugar. Senti confiança e me desabafei com ela. Ao final ela me disse: “eu te entendo porque já passei por isso. Tenho um amigo que é diretor em uma revista mensal que está precisando de jornalista, você não quer tentar a vaga? Eu te passo os contatos. O salário não deve ser igual, mas o trabalho é mais calmo e você vai ter mais tempo de cuidar de você. Do jeito que está não vai aguentar mais muito tempo”.
Agradeci, anotei os contatos e no outro dia estava na Revista Revide para conversar com Murilo Pinheiro. Lembro direitinho do tom da conversa, das matérias dos jornais assinadas por mim que levei para que ele avaliasse. Gostou e disse que a vaga era minha, mas que tinha que começar na semana seguinte. No outro dia cheguei à redação da Folha e pedi demissão. Fiquei mais uma semana e meia para terminar os trabalhos e deixar algumas especiais prontas. O editor da época tentou me convencer a ficar, mas eu estava decidida. Ia casar no final do ano e naquele momento a outra proposta ia me trazer mais qualidade de vida. Já havia trabalhado em jornal Diário por seis anos em São Paulo e a maratona de plantões era algo que não cabia naquele momento para mim.
“Na Revide fiquei quatro anos, fiz muitas matérias boas,
conheci muita gente, fiz grandes amigos, que conservo até hoje”
Na Revide fiquei quatro anos, fiz muitas matérias boas, conheci muita gente, fiz grandes amigos, que conservo até hoje. Em 2000, surgiu a oportunidade de mudar para uma assessoria de imprensa: a Outras Palavras, que tinha três anos de existência. Era um desafio novo e resolvi arriscar. Menalton Braff havia acabado de receber o prêmio Jabuti pela editora Palavra Mágica e eu fui ajudar nesta divulgação. Outros clientes vieram até que tive a oportunidade de virar sócia da empresa e, desde 2015 assumi a administração sozinha, contando, claro, com excelente equipe de colaboradores.
Nunca mais ouvi falar da Sílvia e nem fiquei sabendo o paradeiro dela. Importante enfatizar que não existiam redes sociais na época. Eis que a Regina Oliveira, uma jornalista que havia trabalhado comigo na Revide e depois na Outras Palavras, foi convidada para ser repórter na Tribuna de Araraquara e quem era sua editora? Sílvia Pereira. Quando fiquei sabendo quis muito falar com ela para agradecer o que tinha feito por mim. Ela lembrou do fato, mas não imaginava o tanto que aquilo havia marcado minha vida. Depois de uns anos voltou para Ribeirão para assumir a editoria de Cultura do Jornal A Cidade e nos aproximamos de novo.
Ela, uma virginiana, eu, uma canceriana, que temos em comum o amor pelo jornalismo, pela literatura, pelos amigos, pela vida. E por coincidência ainda descobri que ela faz aniversário no mesmo dia da minha primogênita: 21 de setembro. Não tinha como não começar a minha participação em Palavreira sem contar este história que nos une e que, embora Cândida como eu, é especial e retrato um pouco do que era o jornalismo em Ribeirão na década de 1990.
Obrigada Sílvia e sucesso sempre.
Ana Cândida Tofeti de Oliveira
Jornalista com grande experiência e amiga querida!!!
Toda semana o blog traz a crônica de um(a) ‘palavreiro'(a) convidado(a). O convite é extensivo a todos que gostam de palavrear a vida em forma de crônicas.
“VEM PALAVREAR COM A GENTE!”
NOTA DA BLOGUEIRA
Ana Cândida, querida, o que fiz foi pouquíssimo e o mérito é todo seu por ter conquistado a vaga. A recompensa de sua amizade é que é inestimável e muito mais do que mereço pelo episódio. Gratidão sinto eu por tanta generosidade de sua parte! Beijos carinhosos e cheios de admiração! Namastê.