Nunca precisei estudar muito Língua Portuguesa e História para tirar boas notas na escola. Eu prestava atenção porque gostava das aulas. Sei lá como isso se dá. Só sei que me lembro perfeitamente das aulas de alfabetização, mesmo com a vovó viu a uva. Para cada letra do alfabeto minha professora criou um personagem. Fez os desenhos no papel, pintou, plastificou e colou cada um em um espetinho de madeira de churrasco. Uma espécie de fantoches. Lembro que a letra “b” era uma bailarina. O corpinho delgado era a parte alongada do “b”. E um dia a bailarina se encontrou com o índio, corpo magrelo como o da letra “i” e juntos foram passear num “bi”. Fiquei maravilhada com esses encontros que de bi viraram bicicleta, bisteca, biblioteca e por aí vai, por aí fui.
Nunca tive dificuldade para entender a crase. Artigo mais preposição (sei ainda de cor toda a lista das preposições) sempre fez sentido para mim, assim como as frases subordinadas. Adorava fazer análise sintática. Com História era a mesma coisa. Não entendia o sofrimento das amigas que não entendiam História. Nem sei se um dia achei que havia algo para ser entendido, mas não é divertido saber o que aconteceu, como aconteceu? Não, muitas me diziam. E trocávamos lições e trabalhos de História pelos de Matemática e Física. Até hoje não me conformo que eu precisava ficar calculando quando o carrinho A encontraria o carrinho B na estrada X se A estivesse a sei lá quantos quilômetros por hora e B blá blá blá. Uma hora encontra, professora, eu queria dizer, e aí faz tchauzinho e tá resolvido.
Cheguei a tirar meio em uma prova de Física. Meu pai, depois de se recuperar do quase enfarto, disse que o meio ponto foi por eu saber meu nome (hoje talvez nem isso eu conseguiria). Mas a professora me chamou e me fez uma proposta: se eu te der uma nova prova, você estuda? Porque ela percebeu que eu realmente não estava nem aí para a Física. Aceitei a proposta, honrei a chance e tirei dez. Mas meu sangue continuou só borbulhando pelas Humanas. Se acho importante passarmos por tudo? Claro. Me arrependo de não ter estudado mais Matemática e Física (e Biologia também, vai)? Não. Mas a vida, ah, a vida…
Se a crase fazia sentido para mim, o mesmo não se dava com as operações com frações, por exemplo. E a pandemia me pega com um dos filhos bem nesse momento na escola. Por que, minhas deusas, eu preciso rever a soma, a subtração, a divisão e a multiplicação de frações próprias e impróprias? Impróprias são as palavras que eu tenho vontade de falar para o meu filho que me pede ajuda e que não tem nada a ver com o fato de ter uma mãe constituída inteiramente de Humanidades. E tem o outro que está aprendendo divisão e não usa mais chave para armar a operação. Tantos anos tentando fazer as contas armadas e agora não me servem de nada.
Hoje entendo minha mãe, que também não podia me ajudar com o método ultrapassado com o qual tinha aprendido. A gente envelhece de várias formas. Tenho vontade de me jogar aos pés de minha mãezinha e pedir perdão por tudo o que pensava quando ela não conseguia me ajudar. Talvez eu faça isso quando pudermos (se pudermos) encostar nas pessoas novamente. Talvez eu peça perdão por isso e por tanto mais, já que ela foi uma mulher adulta dedicada integralmente aos filhos e à casa. E não nos matou. Nem mesmo nos causou grandes traumas. Que feito! Não tem salário de CEO que pague essa trabalheira, mas isso fica para outro dia.
Por ora, olho minha pilha de livros para ler, o que tanto eu gostaria de fazer após todo o trabalho feito, enquanto aprendo a usar caixa-lote na divisão. Para cada caixa-lote, umas dez ou vinte páginas a menos na minha vida. Para quem é mortal e ama ler como eu, é muita coisa.
PS: termino agora de revisar esse texto. Meu filho mais novo entra no quarto: obrigado, mãe, por me ajudar com a lição de Matemática. Vinte páginas a menos, mas valeu a pena. Ah, a maternidade.