Sou uma espectadora de cinema de gosto específico (sei que já disse isso), do tipo que adora chorar com um bom drama, refletir com uma história densa ou derreter-se com uma comédia romântica inteligente, mas que boceja de tédio quando começa uma cena de tiroteio ou perseguição e fica procurando rachaduras na parede quando os diálogos ganham doses extras de testosterona ou violência gratuitas.
Dito isso, não pense que já não me perguntei por que diabos consigo me sentar para assistir a um filme como “Creed: Nascido para Lutar” (Creed, 2015), que, vejamos: tem cena de violência (check), sangue (check) e diálogos banhados em testosterona (check)….
A resposta não é curta e começa assim: pelo mesmo motivo pelo qual sentei para assistir todos os “Rocky” (e também amei): não são apenas sobre lutas. Elas são o motor a impulsionar personagens arquetípicos dos “loosers” (como os norte-americanos adoram rotular quem consideram fracassados pela cartilha do “American Way of Life”) a erguerem-se acima das limitadas oportunidades que uma vida à sombra lhes oferece.
As lutas são o motor a impulsionar personagens arquetípicos dos “loosers”
Rocky e Adonis têm origens na massa de excluídos sociais – mesmo tendo sido adotado pela madrasta rica, Adonis Creed teve lá sua infância abandonada em casas de correção -, mas não se resignam ao roteiro previsível de seus pares. Pegam a raiva dentro de si e a purgam no ringue, onde apanham, sangram, caem, levantam, caem de novo e continuam levantando, até o momento em que sairão vitoriosos.
Fica implícito que não é pelo dinheiro ou pela glória (não só) que se submetem a perseguir o que parece impossível ao começo de cada filme. Mas suas motivações – o amor pelos seus, a amizade, a honra – os aureolam e nos fazem torcer por eles. Daí que o sangue, a desfiguração dos seus rostos, que em outros filmes tanto me repugnam, não são gratuitos. Estão à serviço de uma história maior. Uma história de gente como a gente (assim nos sentimos, pelo menos).
A história de “Creed” não chega a ser mais forte que às de Rocky, mas nem precisa. Sozinho, o personagem de Rocky preenche todas as lacunas. Sylvester Stallone está adorável emprestando uma maturidade terna e pacífica ao ex-boxeador idoso que aceita treinar o filho de um grande amigo morto. Nada de heroísmo ou exibicionismo machão na terceira idade. O Rocky Balboa de “Creed” aceita sua velhice e as vulnerabilidades que vêm com ela. Ensina o que sabe sobre luta e sobre perdoar e seguir em frente. É sim um tio querido, como o personagem de Adonis o chama por todo o filme.
Como cinema, “Creed” não resulta uma obra-prima, mas faz uma homenagem à altura do legado de “Rocky”, coroando a carreira de Stallone com honras.
Not bad it all, Sly… “Not bad it all” in deed!