Ontem eu morri.
Durante os poucos segundos em que um carro que saía do portal de um condomínio fechou minha moto, vi um trailer da minha vida sem mim – vi o carro que vinha em alta velocidade à minha esquerda não conseguir frear e me pegar em cheio após eu desviar em cima da hora do que me fechou; meu corpo voando e caindo sobre o asfalto; as fraturas ou – pior, um fatal traumatismo craniano… minha família chorando no hospital… meu marido assustado, perdido… tudo passou pela minha cabeça naqueles poucos segundos.
Mas o carro que vinha à esquerda conseguiu frear a tempo e nasci de novo.
Parei no semáforo 50 metros à frente trêmula, com mãos suando frio e batimentos no ritmo da bateria da Mangueira, bem ao lado do carro que me fechou. Ao volante, uma mulher elegante, de cabelos escovados e maquiagem impecável, aparentando ter mais ou menos a minha idade.
– Você podia ter me matado… disse eu alto, para que ela ouvisse através dos vidros fechados.
Ela riu…
Riu!!!
Não foi para mim, mas de mim e não era um riso simpático de desculpas, mas um desdenhoso, daqueles que dizem: “não estou nem aí pra você, que não é nada pra mim, segura e linda que estou dentro de meu semi-novo branco com ar-condicionado e vidros com insulfilm.”
Pensei: que tipo de pessoa ri de alguém que quase matou?
Que tipo de pessoa para ao portão de seu condomínio, olha para o trânsito e decide sair, va-ga-ro-sa-men-te, ciente de que está fechando uma moto que vem em sua direção? – “a moto que desvie, fechando o carro que vêm à sua esquerda”… “o mundo que mude para que eu siga meu caminho sem ser incomodada!”.
A bela no veículo branco seguiu seu caminho deixando em mim um sentimento de ser nada.
fev 26 2016