Não é preciso assistir a muitos filmes norte-americanos para perceber o quanto o rótulo “looser” (perdedor, fracassado em inglês) é temido como a pior das humilhações nos Estados Unidos. Não a toa uma das trilogias mais festejadas do cinema hollywoodiano, “De Volta para o Futuro“, explora esta fobia americana (viajando para trás ou para a frente no tempo, o jovem Marty McFly tem a chance de checar o quanto suas ações podem, numa reação em cadeia, influenciar o futuro de sua família, de forma a tornar seus integrantes eternos fracassados ou distintos e invejáveis membros da sociedade).
Para a nossa sorte, o cinema não é veículo exclusivo do status quo ou morreríamos de um tédio sem fim ao pé da tela grande, já que o circuito comercial brasileiro é mais de 70% abastecido pela indústria cinematográfica norte-americana. Uma corrente iniciada no cinema independente, com “Sexo, mentiras e videoteipes” (1989) – a estreia de um então jovem e promissor Steven Soderbergh (“Erin Brockovich” e “Che”) – tem redimido os “loosers” ou, político-corretamente falando, este perfil de norte-americano fora dos padrões.
Em “Sexo, mentiras…”, Graham (James Spader, lindo por volta de seus 30 anos) é um desempregado que tem como hobby coletar depoimentos em vídeo de desconhecidos sobre suas relações com o sexo. Tornou-se um “looser” por opção depois que a noiva o traiu às vésperas do casamento deles, nove anos antes. Desde então, ele se distancia das pessoas e de qualquer tipo de relacionamento ou intimidade por não aguentar mais conviver com as mentiras que acompanham a vida em sociedade. Seu reencontro com o amigo de infância John (Peter Galagher), perfeitamente adequado ao “sonho americano” e um mentiroso de carteirinha, vai provocar uma revolução na família deste.
Muitos anos depois de “Sexo, Mentiras e Videoteipes“, um de meus diretores preferidos, Cameron Crowe, conseguiria a proeza de, em um filme comercial, dar tratamento de herói a um protagonista rotulado como looser (ainda conseguir ótima bilheteria!!!).
É verdade que ajudou ter sido Tom Cruise a dar vida ao personagem-título de “Jerry MaGuire” (foto à esquerda), um executivo até então carreirista que, num surto de humanidade, passa a ser frito na empresa em que trabalha depois de distribuir um manifesto pregando um tratamento mais humano aos clientes. Colegas e clientes, com exceção de uma secretária idealista e um cliente também com complexo de “perdedor”, passam a fugir dele como o diabo da cruz. Claro que ele encontrará uma forma de se reinventar, como profissional e ser humano.
Já “Pequena Miss Sunshine” conquistou público e crítica com a história de uma família inteira de fracassados, formada por um pai metido a coach motivador, um avô viciado em heroína, um adolescente depressivo que não fala há nove meses, um tio gay que acaba de tentar suicídio, uma dona-de-casa insatisfeita e uma filha gorducha e míope – única a dar aulas de auto-estima a todos. É a pequena quem motiva a família toda a atravessar o país numa Kombi velha para levá-la participar do concurso que dá nome ao filme. Nas situações inusitadas e hilárias que ocorrem pelo caminho, eles descobrem uma nova forma de agir como família e, de quebra, nos fazem refletir sobre a complexidade e as armadilhas que encerram os conceitos de “fracasso” e “sucesso”.
Adoro quando ótimos entretenimentos também nos incentivam a pensar.