Não é preciso entender a letra da música de abertura de “Incêndios” – filme do canadense Dennis Villeneuve que concorreu ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – para senti-la como um lamento dolorido embalando as imagens de uma paisagem de rochas e vegetação pálida. Quando esta paisagem é emoldurada por uma janela, a câmera começa a percorrer um cômodo imundo até focalizar um grupo de garotos tendo suas cabeças raspadas, escoltados pelo que parecem ser soldados árabes armados. A música-lamento é quase uma personagem na cena…
De repente a câmera se fixa no calcanhar tatuado por três pontos pretos de um dos garotos e percorre seu corpo até alcançar o rosto. É de ódio mudo o olhar que as duas pupilas muito negras endereçam à câmera, sem pestanejar. O espectador ainda não entende do que se trata a história, mas já sabe que haverá dor, ódio, guerra.
Ficamos meio confusos quando o cenário muda drasticamente para um escritório contemporâneo, onde um testamenteiro lê para um casal de gêmeos as últimas vontades de sua mãe. A falecida pede à filha, Jeanne, que entregue uma carta lacrada a seu pai… e ao filho, Simon, que entregue outro envelope a seu irmão, sobre os quais nenhum dos dois sabia absolutamente nada a respeito até então.
Pelo diálogo rancoroso que se segue, percebemos que os gêmeos tinham questões mal resolvidas com a mãe, o que faz Simon recusar-se a cumprir a vontade que lhe cabe. Apenas Jeanne segue para o Oriente Médio para buscar pistas dos dois parentes, tendo à mão só o crucifixo e o passaporte que a mãe trouxe consigo ao imigrar para o Canadá.
Começa então o resgate da história de Nawal Marwan… movida ora pelo amor, ora pelo ódio, sempre em altas medidas. Ela é contada paralelamente às investigações de Jeanne, que, logo numa das primeiras indagações sobre seu pai – que faz na aldeia natal de sua mãe -, ouve de uma anciã: “Você procura saber sobre seu pai, mas não sabe quem foi sua mãe”. E lá vai ela descobrir como a mãe passou de uma ativista cristã pela paz para uma agente dos refugiados, motivada por “ensinar ao inimigo o que a guerra me ensinou”.
Ao dizer isso, Nawal refere-se à bestialidade primitiva que a guerra desperta nas pessoas, mesmo quando lutam em nome de uma religião que nasceu pregando o amor – foram guerrilheiros cristãos os autores do ato mais vil que Nawal testemunhou enquanto procurava seu filho por uma região em guerra e houve um incêndio relacionado.
Impossível não sucumbir à tristeza assistindo aos exemplos tão lamentáveis de intolerância e ódio que permeiam a vida de Nawal. Mesmo havendo uma mensagem de redenção pelo amor ao final, ainda era triste a sensação que me dominava quando os créditos do filme começaram a subir na tela. Não há nada mais dilacerante do que assistir ao que o ódio pode fazer com a vida das pessoas. Talvez por isso mesmo seja tão necessário fazê-lo. Quem sabe este espelho oferecido pelas histórias contadas nos faça, de algum modo, acordar e tomar partido.