Madame Guilbert

Obra ‘Madame Guilbert Gants Noir’, de Henri de Toulouse-Lautrec

Madame Guilbert sempre me emocionou. Talvez não seja uma das principais obras de Toulouse Lautrec, mas é a que mais toca meu coração. O que tem ela de especial? Nada para alguns olhares. Muito para outros.

Fico imaginando como ela, cantora famosa gravitava naquele ambiente repleto de sensualidade ou de promiscuidade, não sei, ao lado de outras damas, as que passavam a noite à espera de clientes para garantir a vida na Paris, quase na virada para o século XX – cansadas de se deitarem com tantos senhores com cheiro nauseante de bebida e fígado empedrado – atravessando as noites maçantes como são em todos os lugares do mundo, à espera de mais um dia.

No Moulin Rouge, em Montmartre, a figura triste de Lautrec emana solidão e abandono e suas obras não poderiam ser diferentes, pois perpetuou imagens difusas, como se as captasse através de um espelho embaçado ou de uma névoa que encobria a verdadeira face daquela suposta alegria. Paris era uma festa? E nesse ambiente, em sua obsessão em retratar o irretratável como se a alma de cada uma já estivesse pronta em sua paleta de cores borradas, o artista quase anão, quase deformado, embebido em absinto, registrou a solidão que hoje nos encanta. Os bordeis parisienses foram a casa de Lautrec, convivendo com aquelas mulheres que me parecem tão distraídas em suas poses meio desleixadas diante de um homem triste e sem amor, olhares absortos que atravessam os séculos e ocupam as grandes galerias de arte do mundo.

Pintura de 1894 de Toulouse-Lautrec

Voltemos a madame Guilbert, minha preferida. Também gosto de Jane Avril, dançarina de can-can e La Goulue, no famoso cartaz de Lautrec, ao lado do parceiro Valentin, e todas as telas dele. Mas, madame Guilbert me intriga. Ela, me parece, tinha o olhar perspicaz, olhando ao redor com um meio sorriso cerrado nos lábios, como se analisasse com agudeza aquele ambiente mundano,na Belle Époque, ela diferente da Grande Maria recostada displicente em uma poltrona exibindo sua nudez sem erotismo, como se nada no mundo lhe interessasse.

Para aonde foi madame Guilbert depois das telas de Lautrec? Quero saber mais sobre ela, se viveu grandes amores, se teve filhos, se morreu pobre ou se amealhou fortuna… Um fato ao menos eu conheço. Ela foi sepultada no famoso cemitério Père -Lachaise, em Paris, onde repousam famosos como Honorè Du Balzac, Oscar Wilde, Maria Callas, Isadora Duncan, Allan Kardec e Jim Morrison, só para citar alguns.

Ah, madame Yvette Guilbert, queria tê-la conhecido! O que você diria desses meus delírios sobre as noites encarceradas nos quadros de Lautrec? Em meus delírios, vejo e ouço madame Guilbert cantando La Passion Du Doux Jesus ou Quand Vous Aime, em seu vestido decotado e luvas pretas de cetim até os cotovelos, sendo aplaudida nos vários palcos por onde brilhou. Vocês sabem… eu deliro mesmo.

 

 


A jornalista e escritora Matilde Leone publica sua crônica na seção “Delírios de Matilde” sempre às sextas-feiras.

1 comentário

    • Mariangela em 11 de agosto de 2017 às 11:26

    Essa madame guilbert é mto estranha
    Meio homem meio mulher rs

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