Noite dessas fui abduzida para outro planeta. Justo eu, que nunca gostei de histórias de viagens interplanetárias, realidade paralela, catástrofes e coisas assim. Só via o céu quando passava noites no mato e, sem mais o que fazer, me deitava olhando a lua, a via Láctea, o Cruzeiro do Sul, a estrela Dalva e milhares de estrelas… Aí pensava em como seria morar em uma delas ou no planeta vermelho.
Agora isso: abro os olhos, ando pelo apartamento. Tudo parece igual, mas está diferente. Os extraterrestres reproduziram meu habitat como fazemos nos zoológicos, mas foram além, porque todo o meu entorno é o mesmo e minha mãe continua morando no mesmo lugar.
Só que estou enjaulada. Daqui não posso sair. Segundo me informaram por uma tela onde os ETs surgem cheios de cena, posso quebrar a regra da quarentena que me impuseram por causa de um invasor, mas arcarei com as consequências. E porque não posso sair, não vejo outras pessoas a não ser meu marido, que foi abduzido junto.
Temo e aprendo. Faço ginástica, cozinho com os suprimentos que me deixaram e há uma ordem de que tenho que manter 1 metro distância de quem quer que eu eventualmente cruze, se me rebelar.
Aprendo e temo. Não sei como viverei igual a antes disso se tenho aprendido a viver de outro jeito. Também não sei quando me devolverão para a Terra, se ela ainda será a mesma e nem mesmo se existirá. O mais grave: não sei se quero ser devolvida.
Estou gostando de ficar aqui, tirando as ameaças e os perigos do lugar. Consigo manter contato virtual com as pessoas que amo, rezo, mas não preciso trabalhar fora, cumprir compromissos sociais, encontrar os conhecidos sem afinidade comigo, experimentar a comida do restaurante novo, ser medida dos pés à cabeça. Vivo. Não preciso ir a cabeleireiro, terapeuta, shopping, massagista, cardiologista, contador. Não preciso ir ao banco.
E tudo se adapta. Cortam-se os excessos, tiram-se as influências. Neste planeta eu ouço menos barulho. Sempre gostei de silêncio.
Restringiram-me. Não posso mais bater perna. Viajar não pode. Nem abraçar, o que é ruim, mas por outro lado é bom porque dá mais vontade e encontram-se outros caminhos. A rigor, nem falar sozinha é permitido, pois gotículas de minha saliva ficarão no ar e isso é ruim para quem vem depois.
Tudo isso tem me deixado calma. Posso estudar uma porção de coisas que sempre quis sem ter pressa e faço isso pelo celular, que mantiveram e tem ótima conexão interestelar.
Devo fazer tudo devagar para que o tempo passe. E o tempo passa.
Durmo bem, rio, ouço músicas. Parece que estou voltando a ser criança.
Aliás, quando eu era menina, cismei de descobrir qual era a distância entre a Terra e a Lua. Passava tardes sentada no jardim tentando resolver esse problema.
Um dia, olhando uma figura da Terra e da Lua, tive a ideia: medi o diâmetro da Lua com a régua da escola. Digamos que tenha dado 1 centímetro. Medi a distância entre ela e a Terra. Digamos que tenha dado 5 centímetros. E concluí que eu estava a 5 luas de distância da Lua.
Agora eu poderia calcular quanto tempo levaria para ir de caminhão até lá. E depois teria de descobrir por qual estrada.
Só porque estou abduzida nessa réplica do meu território, e com tempo, pude lembrar do meu sonho infantil de querer morar na Lua. Lá eu estaria mais perto daquilo que me faltava e eu nem sabia o que era. Nem sei ainda, mas estou com mais esperança do que nunca.
Márcia Intrabartollo é jornalista, peregrina e
aprendiz de escritora
19 comentários
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Apropriate! I realy apreciate! Thank you ! I miss you! Congratulations for your art!
Autor
Cintia, you are so cute! Thank you!
Que maravilha! Que leveza de alma! E que generosidade em dividir! Obrigada, Marcinha
Autor
Oi, Leda querida, que saudades! Leitora assídua, hein? Obrigada pelas palavras e carinho. Um beijo diretamente do meu isolamento.
Maravilha de texto. Parabéns.
Autor
Oi, Márcio! Muito obrigada pelo carinho!
Adorei
Agora fiquei na dúvida, será que foi melhor ter sido abduzida?
Nem tinha parado para pensar nisso, Marcinha você sempre foi além. Parabéns!
Autor
A abdução tem seu lado bom! Um beijo, amiga, e obrigada pela leitura carinhosa.
Marciaaaaa, que texto maravilhoso! Você me representa! Um brinde à Palavreira! Ah! E à lua também!
Autor
Obrigada, Érica! Uma honra, vindo de você.
“Eu vou pra Lua, vou comprar um aeroplano” – Zeca Baleiro
Maravilhoso, Marcinha!! Parabéns! Grande escritora!!
Autor
Katia, muito obrigada, mas sabe bem que sou tão pequeninha, né? Beijos, querida!
Graciosa!
Também fui abduzida e colocada aqui no meu planeta particular.
Vamos marcar um encontro festivo, na volta dessa viagem doida.
Autor
Convite aceito. Chamamos os Ets?
Fiquei emocionada com o seu texto , talvez por que tenha me identificado na fase que nunca deveríamos perder , a da criança … Ou talvez por que tenha pensado muito em tudo isso , aliás tempo é o que não nos falta …parabéns Marcinha …
Autor
O tempo muda a gente, Elaininha! Tão feliz que tenha gostado e te feito refletir mais. Um grande abraço!
Show!!
Autor
Obrigada, Alberto!