Da janela de onde trabalho, em casa, vejo a reabertura do clube. As oito quadras de tênis nunca estiveram tão cheias. Uma das primeiras atividades liberadas e imagino que até quem nunca pegou em uma raquete achou que agora era um bom momento para começar. Um jogador longe do outro, distância segura, super segura, eu vejo daqui, mas minha mente não consegue deixar de pensar nas gotas de suor que podem voar carregando vários coronazinhos. Sim, minha mente é invadida por essas imagens, coloca até asas em gotas de suor. Já achei também que vírus podia ter asas, mas quem entende do assunto me falou que não é assim e não viaja, Luciana!
Nas aulas de ciências, quando criança, tive que deixar a sala de aula várias vezes. Quando estudamos elefantíase, senti meus tornozelos inchando e meus pés se pregando no chão. Tive que correr para o banheiro antes que fosse tarde. E o livro com a ilustração do ciclo da esquistossomose? Pra quê, senhoras e senhoras, pra quê? Eu levantava os pés do chão (sim, de cimento, com piso, em uma escola urbana) com medo dos caramujos que podiam levar sei lá o quê para a minha corrente sanguínea. Nas aulas eu tive sintomas de catapora, sarampo, caxumba e rubéola. Se bobear até de gripe espanhola. Quando Pedro Collor morreu, um neurologista quase perdeu a paciência ao me convencer que minhas dores de cabeça não eram um tumor.
No surto da H1N1, eu no final de uma gestação, a família se preocupou com a quantidade de álcool gel que eu mantinha em casa. Meu filho nasceu e eu me perguntava se faria mal enfiá-lo na banheirinha com esse gel (o rosto para fora, claro). Nunca permiti que um médico me explicasse com detalhes algum procedimento mais invasivo que precisei fazer. Em uma das vezes, um exame ginecológico chato (mais chato do que normalmente é) e doído (mais doído do que normalmente é), o médico me explicou que ele era obrigado a dar detalhes de como seria o exame, justamente porque era muito mais chato e muito mais doído. Me recusei a ouvir. Ele reforçou que era obrigado a me explicar e começou. Eu tapei os ouvidos feito criança, com direito a “lálálálálá” e tudo.
Essa semana fui buscar uma encomenda na rua. Pra quê! Ao entrar no prédio de volta, de máscara, me deparo com um visitante, também mascarado, entrando comigo. Corri para o elevador enquanto ele era anunciado, o contrário do que costumo fazer, mas não deu tempo. Ele chegou e eu ainda esperava o elevador. Todo animadinho, com som portátil e tudo. O elevador chegou, ele abriu a porta, até me ofereceu passagem, e eu tensa como se tivesse que andar na prancha de um navio pirata. Não aguentei: vamos juntinhos mesmo? Meu medo falou mais alto que minha boa educação (apesar de eu saber ser bem mal educada). Ele entendeu. Pode ir, me disse. Agradeci, super envergonhada, quase gritei quando a porta já estava fechada: normalmente não sou assim!, mas deixei pra lá. Saí o mais rápido que pude quando o elevador chegou no meu andar. Pode ser muito cansativo carregar a minha mente. Por isso o dia acaba e abro um livro, acendo uma luminária nova que comprei de uma pessoa que faz uma por uma, com as próprias mãos. Luminária que está ao lado de alguns cadernos, também feitos por um único par de mãos. Reduzir um pouco o tamanho e o volume do mundo. Pode ser bom.
2 comentários
Ao contrário de você, Luciana, confio cegamente na eficácia do meu sistema imunológico, não sou hipocondríaca e minha ansiedade só desaparece quando o médico me explica tintim por tintim os procedimentos que vai realizar – se possível, até mesmo durante o procedimento. Por outro lado, me identifiquei muito com a ansiedade e o medo de estar exposta a variáveis que não sei controlar, como entrar num elevador junto com um desconhecido. Sou catastrofista desde pequenininha e achei graça nos seus devaneios macabros. Muito bom.
Li e reli. De máscara e mãos lavadas.