Desde que me sentei em frente ao computador, há cerca de 20 minutos (e contando…), tento encontrar uma forma de escrever sobre o filme “O Céu da Meia-Noite” (The Midnight Sky, EUA, 2020) sem cometer spoiler. Minha escrita só destravou com a auto promessa de entregar o mínimo indispensável das surpresas do roteiro em favor de compartilhar minhas impressões sobre esta “ficção científica intimista” (já o disse a crítica especializada), dirigida e protagonizada por George Clooney.
Começo reafirmando minha já antiga admiração por este ator e diretor, que segue demonstrando, com suas escolhas profissionais, extrema sensibilidade, inteligência e humanidade. Exceção feita a “Caçadores de Obras Primas”, de 2014 (que considero chatíssimo!), todas as suas demais incursões pela direção de longas resultaram em filmes de roteiros bem amarrados – a maioria dos quais ele também assinou – e com mensagens de importância política, humana ou histórica.
Neste “O Céu da Meia-Noite”, ao contrário de “Suburbicon: Bem-vindos ao Paraíso” (2017), “Tudo pelo Poder” (2011) e “Boa noite e Boa Sorte” (2005) e a exemplo de “Confissões de uma Mente Perigosa” (2002), Clooney assina apenas a direção – entregou o trabalho de roteirizar a história do livro “Good Morning, Midnight”, de Lily Brooks-Dalton, a Mark L. Smith, de “O Regresso” (Oscar de atuação a Leonardo DiCaprio).
A história se passa no ano de 2049. O cenário inicial é uma estação da Nasa no polo Ártico, que está sendo evacuada. O motivo nós começamos a entender no primeiro dos escassos diálogos do filme, em que seu personagem, Augustine Lofthouse, diz a um interlocutor preocupado com sua saúde que, se quisesse morrer rapidamente, embarcaria com os evacuados. É a primeira de várias indicações não explícitas (já disse que adoro roteiros que não subestimam a atenção do espectador?) de que uma catástrofe mundial está para ocorrer, que ele está doente e decide, de livre e espontânea vontade, ficar para trás.
Augustine aproveita o isolamento para, por meio de flashbacks de memória, inventariar seu passado e suas escolhas de vida – cientista aclamado, priorizou o trabalho em detrimento dos afetos pessoais. Seu principal projeto profissional, monitorado pela estação, é a missão espacial Aether ao fictício planeta K-23, que teve como objetivo confirmar se este satélite de Saturno reúne condições de ser habitado pela raça humana, que já esgotava os últimos recursos da Terra – motivo presumido da hecatombe. Sua tripulação, formada por cinco astronautas, ignora estar voltando para uma Terra já inabitável na superfície.
Augustine decide fazer o possível para avisá-los, até deixar a segurança da estação super equipada em busca de outra meteorológica, com uma antena mais potente, capaz de estabelecer comunicação com a Aether. Antes, porém, ele descobre que não foi o único deixado para trás na estação. Esta segunda presença catalisará as lembranças que o cientista parece querer purgar em sua jornada pelo Ártico hostil. É o que confere o verdadeiro clima do filme, que resulta mais em um drama intimista do que numa ficção científica típica, embora também conte com cenas espaciais de tirar o fôlego – de susto e de enlevo.
Sobre o desfecho, para evitar spoilers, direi apenas que entendi ser sobre redenção e segundas chances, em nível individual e coletivo. No individual, para Augustine, que alcança ambas de uma forma linda! No coletivo, para a raça humana, que sempre encontra uma “terra prometida” na qual se refugiar mesmo quando provoca sua própria expulsão do “paraíso”.
Gosto de pensar que a escolha por contar mais esta história é uma forma de Clooney demonstrar sua crença no que nós, cristãos, entendemos como misericórdia divina, mas que também pode ser chamada de justiça poética.