Se você é do mesmo time das pessoas que consideram irresponsável falar sobre um problema com medo de multiplicá-lo, não leia este post.
Alerto porque, assim como ocorreu com a série “13 reasons Why” (“Os 13 Porquês” no Brasil), que trata de um suicídio motivado por bullying, já li pela internet alguns posts vociferando contra o filme “O Mínimo Para Viver” (To the Bone), da diretora estreante Marti Noxon, por considerarem que mostra a pessoas com predisposição à anorexia o “como fazer” para perder peso propositalmente.
Não discutirei este mérito, pois não sou especialista. Registrarei meu ponto de vista apenas como espectadora e ser humano, que achou de grande importância entender um pouco mais sobre as compulsões, os truques e a grande angústia que leva anoréxicos a evitarem comida, comprometendo a própria sobrevivência.
De fato, o filme é, no mínimo, perturbador!
Entendi que não trata-se apenas de uma dismorfia corporal (transtorno psicológico que faz o indivíduo se incomodar profundamente com “defeitos imaginários” ou triviais de seu corpo). Este é, antes, um do grande espectro de sintomas a convergirem para o gigantesco problema da Anorexia.
Da forma como entendemos a vida de Ellen – a protagonista, vivida por uma Lily Collins impressionantemente CADAVÉRICA -, é uma doença da alma, que leva à negação de tudo o que é vida por meio da recusa em comer e a obsessão por perder peso.
Tudo vale para alimentar essa obsessão: vomitar, correr, fazer exercícios escondido, tomar laxantes, entre outros inacreditáveis estratagemas que podem levar à morte.
No filme, acompanhamos um pedaço da vida de Ellen, 20 anos, a partir de sua expulsão da última clínica para a qual foi enviada pelo pai ausente e a madrasta preocupada-mas-bem-intencionada. Motivo: a ironia ácida de sua incontinência verbal começava a perturbar os demais pacientes.
Como último recurso, a madrasta falante tenta um especialista conhecido por seus métodos não-convencionais, interpretado por ninguém menos que Keanu Reeves (pausa para um suspiro), ainda lindo em seus 53 abençoados anos de vida.
Na casa que Ellen passa a dividir com outros recuperandos, ela tem contato com todo tipo de estratagemas para perder peso e também com o inglesinho e ex-bailarino Luke (Alex Sharp – estreante no cinema, mas já premiado por um musical da Broadway), que demonstra responder bem aos métodos do dr. Beckham.
Desenha-se um potencial romance, mas a compulsão da anorexia é mais importante, por isso a diretora atém-se a mostrar como a arte, o carinho e a atenção podem ajudar no processo de tratamento, e como um único e isolado incidente pode colocar tudo a perder.
Perto do final do filme, há uma cena tocantemente íntima entre Ellen e sua mãe bipolar, cheia de lições subliminares sobre amor, aceitação e disponibilidade, que fez eu me liquefazer em lágrimas. Para bom entendedor, dá pistas de como minar a fortaleza erguida pela doença em torno do anoréxico.
Talvez o segredo não seja tentar trazê-lo, à força, para o nosso “mundo real”, mas entrar no dele para explorar alternativas de resgate.
Dá pra entender que não existe um tratamento ou remédio milagroso, mas que cada doente demanda diferentes tentativas e que o único ingrediente indispensável é o amor.
Talvez, “O Mínimo Para Viver”, que está disponível para ser assistido na plataforma Netflix, não seja mesmo recomendável a quem já sofre com o problema, mas considero indispensável para quem deseja saber lidar com pessoas queridas acometidas por ele.
De minha parte, merece cinco estrelas.
1 comentário
Silvia, obrigada pelo texto sensivel e, ao mesmo tempo, direto. Precisamos de mais jornalistas que tenham este olhar sereno sobre temas explosivos. Sempre muito bom de ler!