“Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; (…) mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo.”
Este trecho de “Dom Casmurro” teima em soar em minha cabeça desde que o Facebook me apresentou como lembrança esta foto de quatro anos atrás, feita pela querida Mariana Martins. Sorrio leve sobre minha moto seminova – a mesma que acabo de “internar” na oficina mecânica para ser consertada e vendida.
A “Laranjinha” sofreu muito menos que eu no acidente de seis meses atrás. “Quem vê a moto não fala do estrago que fez em você, né?”, brincou meu vizinho Júlio apontando pra ela, aparentemente intacta, na garagem de nosso prédio.
Ver a foto de nós duas inteirinhas me trouxe um sentimento incômodo, acompanhado de um desconforto no estômago que demorei a interpretar. Por isso escrevo (minha auto-terapia).
Não me entendam mal. Sou grata desde o primeiro dia de acidentada – por estar viva, por minha família, por meu marido-enfermeiro-secretário-anjo, por meus amigos -, mas este sentimento não anula o outro que me assalta agora: uma saudade doída de mim… a que dirigia a moto, que precisava de uma coisa e ia sozinha comprar, que podia jogar vôlei se alguém chamasse, andar de bicicleta, fazer yoga, cozinhar em pé…
Eu sei… é uma situação passageira, mas, como dizem, a gente só tem o hoje. E HOJE, andando pior do que uma senhorinha de 70 anos, sinto-me tão tão tão tão longe daquela motociclista sorridente de rosa-choque!
E eu sei que, por melhor que me recupere, aquela “eu” nunca mais vai voltar.