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Chorando e cantando

Tenho chorado à toa, feito manteiga derretida, ultimamente.

Hoje foi assistindo a este videoclipe do Michael Jackson que já havia visto umas 37 vezes antes sem me abalar – “é fabricado pra emocionar”, pensei na primeira vez que o vi, acho que com 26 anos de idade e me achando “A-cinéfila-crítica-fodona-de-cinema-e-vídeos”.

Mas pra entender “por que diabos” acabei passando a manhã de domingo de um feriado prolongado enterrada numa página de Youtube, a escavar videoclipes da década de 1990, é preciso explicar que toda minha vida sempre foi embalada por trilhas sonoras… que música, pra mim, é tão vital quanto duas refeições ao dia e ao menos seis horas de sono bem ou mal dormidas (conforme demandar a intensidade de meu ciclotímico bruxismo) entre um dia e outro. Então é super normal eu acordar já com uma canção qualquer tocando na cabeça, que preciso expurgar ouvindo outra – ou a própria – em algum dispositivos de som, antes que eu enlouqueça ou passe a odiá-la pra todo o sempre.

Daí que a música que brotou de dentro do meu sono esta manhã foi “Lady Picture Show”, do Stone Temple Pilots (que quem nasceu depois de 1996 provavelmente não conhece). Esperei dar 9h da manhã pra por tocar no meu som em um volume não muito decente pra uma moradora de condomínio de apartamentos (mas é domingo e feriado, né?). Daí que, já que ela faz parte de uma playlist do grupo no meu Apple Music, deixei tocar… e porque é dançante, deu vontade de continuar na vibe, o que me fez apelar logo pra outra playlist do Michael Jackson, que montei pra caminhar ao ar livre, em alta frequência cardíaca… E porque as baladas românticas do artista estavam na sequência, deixei rolar e fui entrando no clima que a voz dele foi instalando dentro dessa nova “eu”, que acorda cada dia mais à flor da pele com dores próprias e do mundo todo.

Foi quando me toquei de que nunca tinha notado antes como MJ usava a voz não só como um instrumento musical (isso todo bom cantor é capaz de fazer), mas como um recurso dramático, sabe… fazendo só com a voz o que um excelente ator faz com o corpo todo… ? Já pararam pra prestar atenção em como a voz do cara volita como se encantada por fadas naquelas canções água-com-açúcar como “Heal The World”? E como “chora” quando canta uma balada com letra dolorida tipo “Stranger in Moscow”?

Comentei isso com o marido, que confessou nunca ter visto o videoclipe dessa música… e lá fui eu acessar o Youtube pela nossa SmarTV pra mostrá-lo em HD legendado, só pra me dar conta de que também nunca tinha prestado atenção na letra dela (acho que ainda não entendia inglês na época em que a cultuava). É sobre ele estar se sentindo sozinho com a própria fama, sob um tiroteio de notícias negativas sobre si veiculadas pela mídia… Pensei comigo (meio tentando não me atrever a acreditar ou não em tudo o que já foi dito sobre suas tendências sexuais): “como pode um artista com tanto sentimento na voz ser capaz de tudo de ruim que lhe atribuíram?”.

Daí que tive vontade de rever outros videoclipes dele com coreografias de dança – que na adolescência me fizeram sonhar em ter uma carreira como bailarina – e fui revendo, revendo, revendo… até cair neste de “Earth Song”… que foi onde desmontei!

Cara, se você também está entre os inconformados com a onda direitista-hiperindividualista-antiambientalista que tem varrido o planeta nesta era, eu lhe desafio a também revisitar este videoclipe, com imagens de índios muito parecidos com os nossos do Brasil… de refugiados de guerra entre ruínas do que teriam sido suas casas… flashes de um bebê africano tentando mamar a canela esquelética da própria mãe (ah… Deus me ajude a esquecer esta imagem!!!)… uma família africana velando o cadáver de um elefante… um desmatador em ação… e MJ berrando aquela voz dolorida-indignada-chorosa em um cenário de árvores cortadas… e o arranjo grandiloquente mandando a gente prestar atenção…

Eu sei, provavelmente MJ cantava uma letra escrita por outros, em um cenário construído para chocar e em um videoclipe produzido pra emocionar, SIM, mas… de novo: como é possível cantar assim, com tanta dor e lágrima na voz, sem ter tudo isso dentro de si?

Posso estar exagerando (provavelmente estou e nem terminei a taça de vinho que o Ma me serviu junto com nosso marmitex de churrascaria), mas fato é que chorei e cantei junto, arrepiando muito e pensando que este clipe de 1996 nunca foi tão atual… E me deu tristeza pensar que não evoluímos nada em 30 anos… nem em 1990 anos, desde que um certo nazareno apareceu na antiga Galileia pregando um jeito de viver baseado em “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”. Tudo o que fizemos (eu inclusive!), desde então, foi colocar nossos interesses na frente de tudo e todos, o que nos trouxe a um mundo super aquecido por El Niños e La Niñas, aterrorizado por religiosos fundamentalistas que matam em nome de Deus e com governantes que defendem armamento civil, destruição de conquistas sociais, combate às diversidades e priorizam a própria agenda política em detrimento de populações ameaçadas por uma pandemia mundial.

Pensando bem, acho até que demorei pra começar a chorar… porque cantar, eu já cantava.

Com Michael Jackson, a música encontrou a linguagem do cinema

Cena 1:
– Conversível que leva um jovem e bonito casal para, sem gasolina, em uma rua escura;
– Eles saem caminhando e aproveitam para conversar, se declararem.
– O rapaz começa a dizer que não é como os outros caras que ela conhece
– Enquanto isso uma lua cheia sai detrás de um manto de nuvens no céu
– O rapaz começa a contorcer-se em caretas até se transformar em um monstro, diante dos gritos da mocinha;

O que começou como um filme romântico agora parece um thriller de terror.
E é!
Assim começa “Thriller”, de Michael Jackson, o videoclipe com de mais de 13 minutos de duração (até hoje um recorde para o gênero) que revolucionou a forma como se fazia vídeos musicais até então. Depois dele – e de muitos outros clipes de Michael desta época, como “Beat it” – nunca mais esse tipo de produção se restringiria a apenas encadear cenas de shows ao vivo ou de músicos dublando as próprias gravações em um cenário imóvel.

Os clipes de Michael eram diferentes e super-produzidos. Contavam uma história, assemelhando-se por isso a curtas-metragens, mas ao mesmo tempo diferenciando-se deles pela forma fenomenal como combinavam números de dança e música a hipnotizarem o espectador.

Com o sinal verde de Michael para casar da melhor forma a força de sua música à imagem em movimento, os diretores de seus clipes, recrutados no cinema, como John Landis e Spike Lee, deixavam a criatividade rolar, sempre auxiliados pela melhor e mais recente tecnologia que o dinheiro podia pagar. Vide “Black and White”, primeiro clipe a usar o efeito morfo para mostrar imagens de pessoas de várias raças transformando-se umas em outras, ou “Stranger in Moscow”, que usou o recurso da câmera ultra lenta de uma forma inédita para a época.

A lista de videoclipes memoráveis não para aí e inclui, só para ficar entre os meus favoritos, “Smooth Criminal”, “Heal the World”, “Earth Song”, “Childhood” (além dos primeiros citados acima).

Michael Jackson pode não ter sido o idealizador de todas as músicas deliciosamente dançantes ou de todos os clipes fantásticos que protagonizou, mas ter sabido se cercar das melhores cabeças do ramo já era uma prova irrefutável de sua genialidade. Não por acaso tudo o que fazia virava ouro – digo, milhões de dólares.

Mas nem os orçamentos milionários, nem diretores de cinema ou as tecnologias de última geração fariam desses videoclipes o sucesso que são até hoje não fosse um componente fundamental: o TALENTO do próprio Michael Jackson. Fora dos palcos ou das câmeras ele parecia um sujeito mirrado, magricela, de voz infantil e identidade sexual duvidosa, mas à frente deles transformava-se em um gigante, um fenômeno!!! Um showman de carisma, presença e ginga até hoje incomparáveis e sem similares na história da música pop.

Restrinjo-me aqui a comentar apenas a parte de sua carreira que “namorou” com o cinema por motivos óbvios [é um blog de cinema, minha praia…], mas confesso que, a despeito de todas as polêmicas e escândalos que rondaram sua vida pessoal, sempre AAA-DOOO-REEEEI o trabalho de Michael e nunca dei a mínima para os preconceitos dos puristas, sempre contrários, por princípio, a tudo o que faz sucesso em escala de massa.

Não dá para ninguém negar. O cara era talentoso!

Até hoje sinto saudades de como novas músicas e videoclipes seus me faziam sentir.