A garota de 20 anos estava escondida no quarto de casal da madrinha, enquanto esta conversava com o pai do bebê que crescia em seu útero. Só se lembra do homem por quem era apaixonada dizer, sem gaguejar, que não queria aquela criança… não assumiria. Simples assim.
Em outro dia foi a mãe dele que visitou a sua para dizer que o bebê podia ser de qualquer um.
Anos depois, quando já existia o exame de DNA, a mãe provou a paternidade do pai ausente, mas ele assumiu, pra si e para a própria família, que foi forjado… e sumiu no mundo para não pagar pensão.
Quando reapareceu, foi porque a avó do já pré-adolescente engoliu o orgulho em favor do desejo do neto de conhecer o pai e o procurou. A mãe concedeu. Pai e filho se conheceram. E só.
Não sei se foi falado a este pai sobre os anos de trabalho em dois empregos da mãe, do filho sendo criado por todos, dos conflitos que a criança vivenciou, dos perrengues financeiros que a família toda passou… só sei que ele ganhou de presente um filho crescido, que passou a ver de vez em quando.
Acompanhei de perto este caso, que é de minhas relações, mas preservo as identidades em respeito à relação entre pai e filho, que só agora começa a se consolidar.
Conheço muitos outros casos de pais que só se tornaram “presentes” depois dos filhos criados. Eles nunca são cobrados pelos anos de ausência porque as mães amam demais seus filhos para privá-los do pai “pródigo”. Engolem seus sacrifícios mais uma vez…
Até quando? Eu me pergunto sempre que assisto a mais uma reportagem sobre a questão do aborto.
Nessas discussões, que sempre opõem religião x direitos femininos, nunca – salvo um comentário da amiga Márcia Intrabartollo em rede social – vi questionarem o papel do “doador do esperma” nas situações que levam uma mulher a tomar a dificílima, dolorida (física e emocionalmente) e perigosa (clínica e criminalmente) decisão de abortar.
Até onde me informei até hoje, na maioria dos casos de aborto há por trás uma mãe abandonada ou um pai que fez pressão para não assumir mais uma boca para alimentar na família. Onde está a criminalização deles?
Tenho em torno de mim, em diferentes níveis de relações, vários casos de mulheres que assumiram os filhos sozinhas, e de outras que têm o pai de seu filho presente, mas “nos termos deles”.
São mulheres que têm jornadas triplas: no trabalho formal, em casa e na criação dos filhos. Algumas transformam-se irremediavelmente, como a do caso que narro no início deste texto. A jovem sonhadora e romântica deu lugar a uma mulher dura, irascível, implacável em suas relações. Forte sim… mas a que custos!
Recentemente, o depoimento de uma colega de profissão numa rede social me lembrou o quanto os sacrifícios da mulher na criação dos filhos ainda são invisíveis!
Decidi aí iniciar um trabalho para torná-los mais visíveis para, talvez – quem sabe? – contribuir para alguma conscientização e, quiçá, mudança de mentalidades (ah… esperanças… o que somos sem elas?).
A partir de agora, o blog “Palavreira” está aberto a depoimentos de mães que queiram contar suas histórias de lutas. Pretendo reuni-los numa seção que chamarei “Vozes que pariram“.
Quaisquer mães… solteiras, casadas, com pais presentes ou não, com parceiros que dividam ou não as alegrias (são muitas também, acredito!) e dificuldades de criar outro ser humano, que sintam-se discriminadas no trabalho, no grupo social ou o que o valha…
Não precisam se identificar. Podem usar codinomes (desde que eu saiba quem são) ou não usarem nome nenhum…
E se não se sentirem à vontade para escrever de próprio punho, me chamem. Vou até onde estiverem ouvir suas histórias para reproduzi-las em texto.
Só quero dar-lhes vozes, ampliá-las, fazê-las ouvidas…
Passou da hora!
P.S. Para me contatar, use o link para meu e-mail à direita na página.
Leia o primeiro depoimento da série
3 comentários
Brilhante ideia Sil e extremamente necessária!
Silvia, que ideia linda, essencial e imprescindível nestes tempos de enrijecimento de ideias.
Vai ser lindo, triste e útil!