Numa aula de história, um professor de Ensino Médio tenta explicar a alunos adolescentes de que forma regimes totalitários, como nazismo e fascismo, mantiveram-se por anos em alguns países, tutelados pela população. A platéia duvida da probabilidade daquele “engano coletivo” ocorrer em sua geração, “mais informada e inteligente” (ah… a arrogância da juventude!).
Não sei se saberei explicar direito porque esta história real – descrita em livro e transformada em filmes norte-americano (The Wave, 1981) e alemão (Die Welle, 2009) intitulados “A Onda” – me veio automaticamente à memória quando assisti hoje ao noticiário. Talvez as imagens de jovens comemorando a morte do terrorista Osama Bin Laden pelas ruas dos Estados Unidos tenham me lembrado a mesma ingenuidade e arrogância daqueles estudantes em sala de aula de “A Onda” – todos considerando-se tão acima de “enganos coletivos”, como se sempre fosse possível saber com clareza onde estão o certo e o errado… como se a morte de um único líder pudesse acabar automaticamente com o terror.
O professor do filme decide usar um método nada ortodoxo para mostrar a seus alunos como um regime repressor pode ser fomentado dentro da sociedade, a partir de uma ideia bem vendida e cultivada pela pressão do meio social. Começa sugerindo a criação de um clube, intitulado “A Onda”, cujo conceito vende com grande sedução. Afaga egos juvenis dando funções específicas para cada um dentro desta sociedade; confere sensações de importância e pertencimento ao propor regras de conduta a serem seguidas – e premiadas – por todos; cria distintivos, braçadeiras, uniformes, gritos de guerra, saudações gestuais, que lembram desde a paixão das torcidas organizadas até a disciplina de instituições militares (não por acaso, força na qual todo regime totalitarista se apoia).
Aos poucos, a inebriante sensação de tornar-se parte de algo importante contagia toda a escola. Torna-se cool pertencer à Onda. O nerd, o gordinho e outras minorias, que antes sofriam bullying por serem diferentes, agora são respeitados por também terem um cargo no clube (finalmente sentem-se inclusos!).
Nesta nova ordem, agir e vestir-se igual começam como decisões voluntárias que, aos poucos, tornam-se esperadas e, com o tempo, exigidas. Quando o próprio grupo começa a criar mecanismos de repressão de quem não se encaixa aos preceitos da sociedade (as vítimas de bullying, agora, são outras), o professor decide que é hora de um tratamento de choque.
O que “A Onda” tem a ver com Osama Bin Laden e as comemorações por sua morte? Aparentemente, nada, mas ajuda, assistindo ao filme, entender como se programam mentes de futuros Bins Ladens, que crescem ouvindo a doutrinação apaixonada de seus iguais, em sociedades blindadas à informação livre e engessadas pelo cerceamento de liberdades (de expressão, de imprensa, de ação, de pensamento…).
Entendendo os mecanismos de sedução em massa expostos no filme talvez nos tornemos menos ingênuos a ponto de acreditar que faríamos diferente se tivéssemos crescido na mesma sociedade… ou de crer que a morte de um único homem (ele sendo efeito e não causa de uma sociedade intolerante) representará o fim de uma engrenagem violenta – crer nisso, aliás, equivale a acreditar que o Rio de Janeiro viraria uma ilha de paz se apenas fossem mortos todos os líderes do crime nas favelas, mas continuassem a miséria e as desigualdades sociais e de acesso ao conhecimento e à educação (maiores fabricantes de excluídos).
Como escreveu Clóvis Rossi em seu artigo “A Morte não mata o discurso”, eliminar o combustível do fanatismo que armou Bin Laden começa por dar condições de vida mais dignas aos povos árabes. Eu acrescentaria a isso abrir suas sociedades para o conhecimento, em vez de simplesmente rotulá-las como inferiores e dar-lhes as costas, acreditando-nos muito superiores.