Já vira aquele filme antes. Na verdade, já fez parte de cena parecida inúmeras vezes, mas na maioria delas estava no papel da personagem que ouvia o que não queria ouvir, o que doía, magoava, deixava marca que não se esquece.
Enchia-se agora de uma compaixão inédita por todas as pessoas que lhe fizeram mal e carregam, sem saber, o fardo de sua mágoa.
Ainda lembra-se com rancor da professora que gritava com ela ante a zombaria de toda a classe; da gerente que a humilhava por ciúmes da preferência do chefe; do superior que a espezinhava por achar que ambicionava seu posto.
A professora severa lhe fez estudar como louca para conquistar uma bolsa em colégio particular com expertise para lidar com sua dislexia; a gerente insuflou-lhe coragem para pedir a um intimidante professor seu primeiro estágio remunerado e o antigo superior a levou a procurar, como louca, um emprego melhor.
De alguma forma, cada uma daquelas pessoas que lhe fizeram mal a levaram também a colocar em movimento sua máquina de viver.
Na verdade, deveria ser grata a todas elas.
Mas não… ainda não. A mágoa continuava lá.
E agora, que tinha de tomar uma decisão dolorida, que poderia determinar o rumo da vida da pessoa que mais amava no mundo dali para frente?
E se ela não a perdoasse? E se nunca alcançasse o entendimento de que lhe negava um desejo para seu próprio bem? E se entendesse e, mesmo assim, a mágoa continuasse lá… para sempre…?
Respirou fundo, pesou o que queria e o que devia fazer, mediu alternativas, negociou com os próprios medos… mas em todas as simulações sua razão convergia para aquela decisão dolorida.
Decidiu.
E doeu…
… porque às vezes ser mãe dói mesmo.