Gratidão, dona Ely!

Eu a conheci assim, quando foi minha professora de ginásio

Hoje me despeço de um dos anjos sem asas que tive na vida.

Dona Ely Vieitez Lisboa, que conheci Vieitez Lanes como professora de Português e Literatura em uma escola pública no bairro de classe média e baixa Vila Virginia, desencarnou esta semana, silenciosamente, sem que eu pudesse me despedir. Mas, ao contrário do ocorrido com o José Mário de Sousa (outro anjo sobre quem já escrevi aqui) à dona Ely tive tempo de agradecer e dizer da importância que teve em minha vida. Mesmo após ter deixado de ser sua aluna, continuei visitando-a de tempos em tempos para “dedos de prosa” deliciosos, que só se tem com pessoas naturalmente interessantes. Passou, então, a tratar a mim, e a todos os ex-alunos que continuaram fazendo parte de sua vida, como iguais, o que me fazia quase explodir de tanta honra!

Dona Ely tinha essas e muitas outras qualidades. Quando eu era uma aluna pobre de escola pública, já me encantava com seus comentários espirituosos, fosse sobre um acontecimento vivenciado em uma de suas viagens a Paris ou de passagem por um bairro pobre de cidade nordestina. Nunca perdeu o dom de se entusiasmar: com histórias de amor, com uma metáfora bem construída por uma aluna promissora ou uma cena de filme romântico – ainda lembro de um comentário seu feito em classe, lá nos perdidos anos 1980, sobre a cena de amor do par de “O Exterminador do Futuro” ser a mais bonita que já havia assistido no cinema até então (apenas um close no “abraço de mãos” dos amantes). Uma romântica incorrigível!

Estava assim na última vez que nos vimos

Na última vez em que a visitei em casa, acompanhada de meu marido e outra amiga de adolescência a quem ela também inspirou tanto quanto a mim, dona Ely demonstrava uma felicidade luminosa pela vida que levava ao lado do segundo marido, Jugurta Lisboa, que também era seu primo. Era flagrante como se amavam e sentiam prazer na companhia um do outro. Foi nesta oportunidade que pude falar a ela sobre minha imensa gratidão por ela ter sido mais que uma professora, mas também uma entusiasmada incentivadora de meu talento para a escrita. Contei que, não fosse por ela, teria me acomodado ao que meu humilde pai achava suficiente para mim após a formação no ginásio (Ensino Fundamental da minha época): um curso técnico que me garantisse um emprego mediano até me casar e ter filhos.

Dona Ely insistiu que eu deveria fazer o colegial (Ensino Médio) normal para me preparar para uma faculdade. “Onde se viu perder uma capacidade de estudo assim!”, indignava-se à menor menção d’eu trilhar o caminho mais óbvio a uma estudante de classe baixa. Não fosse por ela também não teria escolhido o Jornalismo como profissão, pois eu não me achava boa em mais nada e só tinha como referência seus elogios ao meu texto. Confiei nela muito antes de aprender a confiar em mim mesma.

Ela também sabia dar bronca muito bem ! Uma vez deixei de entregar um trabalho extra para o Clube de Literatura que  mantinha com os melhores alunos. Dona Ely veio me questionar por que e argumentei que não precisava do ponto positivo prometido porque já tirava nota máxima. “Então foi preguiça mental!”, acusou, implacável, antes de me dar as costas com visível braveza. Fiquei com tanta vergonha que sacrifiquei meu horário de recreio para fazer o trabalho às pressas. E nunca mais me deixei ter “preguiça mental”.

Quando soube que Jugurta havia falecido, tentei contato novamente para agendar outras visitas. Ela já não me atendia no número fixo – não lembro se tinha celular, pois não sabia o número. Ela também não visualizava as mensagens que eu deixava em suas redes sociais – old fashion, só as mantinha porque o marido fã as atualizava sempre, então assumo que nunca as visitou após a morte dele.

Não nos vimos mais nos oito anos passados desde a última tarde deliciosa que passamos juntos em sua casa em um condomínio fechado de Jardinópolis. Mas estou em paz com seu desencarne. Sei que, luminosa como é, deve estar em um lugar cheio de paz,  acolhida pelos que ama e foram antes dela e com a energia de minha imensa gratidão – e a de centenas de outros alunos que inspirou – a envolvendo.

Vai com Deus, minha amada dona Ely. Fica com Ele e nosso imenso amor!

1 comentário

    • Márcio Pelegrina em 17 de julho de 2024 às 11:33

    Que lindo Sil. Gratidão é umas das melhores formas de abençoar alguém. Que a Dona Ely continue iluminando a tudo e a todos em sua jornada. Amém!

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