“É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro,
possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa.”
Você não precisa concordar com o trecho acima para adorar a obra que ele abre.
O que… não reconheceu? Se não conhece, não sabe o que está perdendo! Pertence a “Orgulho e Preconceito”, a obra mais famosa de Jane Austen, autora inglesa do século 19 que escreveu alguns dos romances mais cultuados e adaptados para teatro, cinema e TV do mundo.
Em sua curta vida (morreu em 1817, aos 42 anos, de um mal desconhecido), Austen escreveu apenas seis obras completas: “Razão e Sensibilidade”(1811), “Orgulho e Preconceito” (1813), “Mansfield Park” (1814), “Emma” (1815), “A Abadia de Northanger” e “Persuasão”. Deixou outras incompletas, que a dramaturgia mundial também diverte-se em completar por sua conta e risco, como “Lady Susan”, “Os Watson” e “Sanditon”.
Todas têm em comum uma história de amor ambientada na alta sociedade inglesa do século 19, narrada em texto elegante, mas temperado com fina ironia e uma sagaz crítica social.
Atribuo o fato de sua obra seguir conquistando novos admiradores até hoje a sua universalidade e originalidade, ao menos para a época. Hoje em dia, a história de antipatia transformando-se em amor de “Orgulho e Preconceito”, por exemplo, pode não parecer nova por ter sido copiada à exaustão desde então. Mas, quando foi lançada, era uma subversão à receitinha açucarada do gênero, que rendia histórias com heroínas ingênuas, virtuosas e indefesas à espera de serem salvas pelo arquétipo do príncipe encantado.
As heroínas de Austen não são absolutamente indefesas ou “burrinhas” – aliás, bem ao contrário – e mesmo tendo de seguir as convenções sociais da época, sabiam destacar-se acima delas. Os personagens também não obedeciam a maniqueísmos. Ou seja, nem as heroínas e seus amados eram apenas poços de virtudes, nem os vilões só maldades. A protagonista de “Emma”, por exemplo, é uma esnobe. De bom coração, é verdade, mas ainda assim esnobe e egocêntrica. E o famoso senhor Darcy, de “Orgulho e Preconceito”, é o mau-humorado e antissocial mais amado da história da literatura. Bem diferente dos heróis lindos e virtuosos do romantismo literário de até então..
Por isso é que, como as peças de Shakespeare, os personagens de Austen seguem atuais – universais, como a alma humana.
Adaptações
Você sabia que “O Diário de Bridget Jones” (livro e filme) foi inspirado em “Orgulho e Preconceito” e longa metragem adolescente “As Patricinhas de Beverly Hills” em “Emma“? Estes são apenas dois exemplos de como as obras da escritora britânica seguem atuais. Mas não os únicos.
Desde 1938, os romances da escritora vêm sendo adaptados para televisão e cinema insistentemente. Só “Orgulho e Preconceito” tinha, até a redação deste post, três adaptações produzidas pela TV britânica BBC e cinco para a tela grande, sendo a última de 2005, com Keyra Knightey e Matthew MacFadyen (ai ai…) nos papeis principais.
“Razão e Sensibilidade” havia sido adaptada três vezes para a televisão, também pela BBC, e sua única versão para cinema até então leva a assinatura do aclamado diretor taiwanês Ang Lee (“O Segredo de Brokeback Mountain” e “As Aventuras de Pi”). Ainda que o roteiro tenha a assinatura de uma inglesa (a também atriz do filme Emma Thompson), o fato de um asiático ter traduzido tão bem a essência do romance de Austen é mais uma prova da universalidade de sua obra.
“Emma” contava, então, cinco versões para a TV [após este post foi lançada mais uma, em plena pandemia de coronavírus de 2020, assinada por Autumn de Wilde – horrível em minha opinião!] e uma de suas adaptações para o cinema, de 1996, rendeu uma indicação ao Oscar para a atriz Gwineth Paltrow.
“Persuasão” – meu romance preferido da autora – somava três versões para a TV e só uma para cinema, mas já havia sido citado em mais de um filme (“A Casa do Lago” entre eles) como símbolo de um amor que resiste ao tempo, à distância e às mudanças interiores de seus amantes. Talvez por ter sido escrito nos últimos anos de vida de Austen é o de narrativa interiorizada, explorando os sentimentos submersos de sua protagonista, Anne Elliot – uma solteirona para os padrões da época.
“Mansfield Park” e “A Abadia de Northanger” são os romances menos populares da escritora, tendo sido, por isso, pouco adaptados até esta postagem: o primeiro, duas vezes para a TV e uma para o cinema. O filme de “Mansfield Park”, que no Brasil recebeu o título de “Palácio das Ilusões”, permite-se muitas liberdades para com a obra original, mas que só deixaram a história melhor, pois a diretora Patricia Rozema buscou suas adaptações para o roteiro na própria biografia da escritora (por exemplo, a troca de cartas entre a protagonista Fanny Price e sua irmã não existe na obra original, mas foi pinçada entre a correspondência entre a autora e sua irmã Cassandra, que eram confidentes).
Já “A Abadia…” foi adaptado três vezes só para a TV e nenhuma para o cinema, talvez por ser o romance de Austen que mais destoa do perfil do restante de sua obra, com seus toques de suspense e narrativa ainda sem muita identidade. Afinal, apesar de ter sido publicado só após sua morte, foi o primeiro romance escrito pela inglesa. Como comentou um personagem do filme “Clube de Leitura de Jane Austen” (comédia romântica de 2007 em que seis personagens debatem suas obras em reuniões mensais), a autora ainda devia estar experimentando as referências de suas escritoras preferidas à procura do próprio estilo.
Encontrou.