Em uma cena de “O Garoto de Liverpool” (Nowhere Boy, CAN/ING, 2009), um jovem de 15 anos pergunta à mãe:
– Por que Deus não me fez Elvis?
– Porque estava te guardando para ser John Lennon – retruca ela.
Nossa distância de mais de meio século em relação ao tempo em que é ambientado o filme torna este diálogo profético e ironicamente emblemático (qual dois dois foram maiores para o rock afinal?). No contexto da história contada, porém, apenas espelha a inquietação de um adolescente ambicioso que ia muito mal nos estudos e via na formação de uma banda a única alternativa ao ostracismo social.
O filme mostra que, aos 15 anos, John Lennon (aqui vivido por Aaron Taylor-Johnson) já adorava música, mas a ideia de liderar uma banda parecia ter mais a ver com suas ambições e grande ego do que com uma devoção humilde à arte.
A diretora inglesa Sam Taylor-Johnson escolhe um recorte pouco explorado na vida do mais idolatrado integrante do The Beatles, quando ele ainda morava com os tios, por quem foi criado desde os 4 anos de idade – última vez em que viu os pais. O filme acompanha o intenso período em que Lennon perde o tio querido, reencontra a mãe bipolar, é confrontado com a razão de ter sido criado pela tia Mimi e forma a primeira banda, The Quarrymen.
O recrutamento para o grupo o leva a conhecer um garoto chamado Paul, que atrevia-se a tocar qualquer instrumento de corda muito melhor do que ele. É Paul quem traz para o grupo um amigo seu, George, que também toca muito bem. Até então, os futuros Beatles ainda não eram próximos. O melhor amigo de John era Stan, personagem principal de outro filme também sobre a fase pré-fama do quarteto: “Os cinco rapazes de Liverpool” (muito bom… procurem).
Dá para perceber que a diretora evita ao máximo vincular aqueles jovens personagens a qualquer remissão aos ícones que se tornariam depois. Até o nome famoso pelo qual o grupo passaria a ser conhecido mundialmente é propositalmente ocultado – “E isso com a nova banda, os… Como eles se chamam mesmo?“, pergunta a tia Mimi, ao ser comunicada de que John está partindo com a banda para Hamburgo, na Alemanha. “Você se importa?“, desconversa John.
Sábia escolha, já que o relato desglamourizado nos permite enxergar o adolescente John sem mitificações. Conseguimos entender como seus sentimentos, principalmente o complexo de rejeição que é forçado a confrontar nesta conturbada fase, ajudaram a moldar a personalidade controversa que conheceríamos anos depois.
Bem filmado e, claro, repleto daquele rock ingênuo que se fazia nos anos 1950 (antes de Os Beatles o reinventarem), o filme resulta uma deliciosa “viagem musical”. Ela fica mais emocionante quanto maior for sua idolatria pelo quarteto inglês (a minha e de meu marido são enormes!!!).
Mas, mesmo gostando só um pouquinho dos Beatles, desafio qualquer um a resistir em embarcar nela logo na primeira cena. Quando toca um único acorde de “A Hard Days Night”, no primeiríssimo segundo de filme, JÁ ERA! … Somos irremediavelmente fisgados!!!