Já há três domingos não escrevia.
Tenho esses períodos de silêncio auto infligido que nunca são por falta do que dizer (ao menos não na forma escrita), mas por medo (sou PHD nisso!). É que às vezes são tantos e tão difíceis de identificar os sentimentos que preciso descarregar na escrita – minha eterna terapia – e tão poucas as palavras para descrevê-los corretamente… E tem a exposição, o julgamento alheio (confesso! me apavora), as más interpretações, os egos feridos que reagem instintiva e, portanto, violentamente (não é certo que criticamos no outro o que não queremos enxergar dentro de nós?)…
Sempre digo à querida Marcinha Intrabartollo (um talento em processo de auto descoberta como escritora) que escrever para ser lido é, antes e mais do que tudo, um ato de extrema coragem! Porque quando escrevemos algo que toca o interior do outro – mesmo quando banalidades construídas para entreter o tempo – ficamos nus. E toda nudez é vulnerável, no literal e em todos os mais simbólicos e intangíveis sentidos.
Como sei disso? Porque, como toda leitora apaixonada, quantas vezes não me quedei perplexa, ao final de um texto ou livro que me alcançou a alma (não é, Luciana Gerbovic?), imaginando como era possível outro ser humano alcançar tão dentro de mim sem me conhecer? E quando caço a biografia desses autores quase sempre desacredito das imagens de divulgação que os mostram tão normais, quando já acho que não, tão gigantes me parecem em sua valentia!
Mas estou tergiversando. Ocorre que estou aqui sentada, vomitando esta escrita, obrigada por mim mesma a ter coragem!
Porque há dias sinto como se todos os sentimentos que venho, há tempos, toureando, na tentativa de manter algum equilíbrio, tivessem se rebelado e me feito refém. Não aceitaram, durante toda a última semana, ficarem quietinhos dentro de mim enquanto eu tocava a vida normalmente. Assumiram o controle, saindo pela minha boca em forma de gritos ante qualquer contrariedade, em espasmos de raiva que já não consigo dissimular ou aliviar com tentativas risíveis de meditação… em lágrimas de desesperança que há tempos não seguro mais ao assistir ou ler notícias que provam nosso fracasso como humanidade.
Pode ser coincidência ou auto sugestão, mas calhou desse descontrole ter começado no mesmo dia em que visitei uma terapeuta nova, que me espetou agulhas enquanto explicava o que cada ponto em minha orelha dizia sobre mim. Saí da sessão com um vidrinho de elixir (não sei se floral, homeopático ou coisa que o valha) que prometi tomar a conta-gotas, três vezes ao dia (estou tomando), mesmo convencida de que não me curaria e que minha orelha não havia entregue nenhuma novidade.
A novidade, hoje, é que acordei decidida a encarar o medo da minha terapia escrita e dizer, a mim mesma e a quem interessar possa, que: sim, estou triste! Sim, tenho medo. E tenho raiva. Muita raiva! E não é de hoje…
E escrevendo, como sempre, vou alcançando alguma compreensão de mim. Como a de que não estou triste só por mim. Que meu medo por mim mesma é, sim, gigantesco, mas também é por muitos – os pobres, os paupérrimos, os negros, os índios (ah! Os índios…), os enlutados… E a raiva – meu Deus… nem consigo dizer de que ou de quem – não é exclusividade minha e as redes sociais estão aí para provar.
Tanta dor vendo imagens de animais incinerados – alguns ainda abraçados às suas crias – porque não conseguiram fugir do fogo em nossas florestas. Fogo cada vez mais descontrolado desde que o atual governo começou a desmontar o aparelhamento e a legislação ambientais que as protegia em algum nível. Tanto medo de chegar àquele temido momento de não ter mais como saldar as contas em uma economia em crise e com a legislação trabalhista flexibilizada! E tanta, mas TANTA RAIVA por constatar que os egoístas de plantão nos cargos públicos seguem aproveitando-se de calamidades para roubar… que defensores da violência e detratores dos direitos humanos têm coragem de evocar o nome de Deus em suas causas desumanas!
Tenho raiva, sim! E tenho muito medo… e tristeza – mansa, mas está lá. E lamento que, por mais que esta escrita tenha intenção terapêutica, não venha compartilhar alguma mensagem positiva, ou trazer alívio e nem respostas para as questões que levanta. Traz, sim (como toda terapia) mais questões. Por exemplo: por que nos sentimos tão solitários mesmo acompanhados? E tão desconectados mesmo nos comunicando tanto? Sou a única a interpretar como sendo só meus tantos sentimentos que têm convulsionado o mundo todo, engolfando todos numa nuvem quântica? E se assim não é, por que continuamos procurando soluções individuais para problemas coletivos?
Alguma hipótese?…
1 comentário
Silvia, primeiro surpresa e grata por sua citação. Segundo, me pegou em um momento tão melancólico, que dê tudo o que você falou, o mais forte pra mim foi: e não é de hoje.
Não é de hoje que a gente está ficando entristecida. Não é de hoje a frustração e a impotência diante de tudo o que vemos. Nossas vozes clamam no deserto. Um deserto. E não é de hoje.