A relação entre meus gatos, Lóki e Maya, é de amor e ódio desde que ela chegou à nossa casa, pouco mais de um mês depois dele – ela com quatro, ele com três meses.
Era novembro de 2016.
Eu andava de muletas, após quatro meses de imobilidade total e cerca de 30 dias reaprendendo a me mover com andador, por conta do acidente sofrido em julho. Márcio começava a planejar sua volta ao trabalho após meses parado só para cuidar de mim.
Nos primeiros dias de Maya em casa, Lóki fez greve de fome. Vivia de orelhas arrebitadas para trás – sinal de braveza nos gatos – a evitar os cômodos em que ela transitava. Trocavam sibilos ao se esbarrarem pelos corredores.
Preocupei-me.
Consultei amigas gateiras, que aconselharam: “dê-lhes mais uns dias”. E eu dei.
Após uma semana, já se alimentavam lado a lado e compartilhavam sonecas no mesmo cômodo. Logo passariam a dormir lado a lado também sobre sofás, camas e no arranhador caseiro – um no topo, outro na redinha de baixo – que montei a partir de um banco de madeira, tapetes e cordas.
Hoje chegam a dormir entrelaçados, com o queixinho de um repousando sobre o pescocinho do outro. Uma lindeza de ver!
Quando compartilham a mesma fonte de água – geralmente uma torneira de banheiro que abro a pedidos (miados) -, derreto-me de paixão.
Deram um trabalhão quando Maya entrou no cio, uma semana antes de sua cirurgia de castração. Lóki já havia passado pela sua, mas ainda assim caiu na sedução da bichinha – quem o condenaria?
Castrados, ainda se atracam de vez em quando, mas para brigar, a golpes de unhas e dentadas, sem que nenhum dos dois saia machucado. Dali a pouco voltam às boas, feito irmãos.
E não se largam. Nenhum fica muito tempo sozinho em um cômodo sem sair para descobrir aonde está o outro.
Não raro assistimos a Lóki – o afetivo da dupla – lamber rosto e pescoço de Maya, num carinho de macho cuidador nem sempre bem recebido. Quando está de ovo virado, ela o rejeita com uma patada na fuça, que ele revida jogando-se em cima dela para outra briga, daquelas de rolarem pelo chão (assista a seguir).
Mais individualista, Maya nem liga para os miadinhos de protesto de Lóki em dia de banho. Já ele fica esperando à porta do box, perdido em longos miados de aflição ante o escândalo de Maya ao ser banhada – e é um baita escândalo! É necessário dois de nós para banhá-la, pois a danada arma as unhas, debate-se e nos arranha de todo jeito tentando se livrar, enquanto mia alto de desespero, como se estivesse sendo castigada.
Noturnos, continuam ativos na perseguição um ao outro muito depois de seus humanos recolherem-se para dormir – ouvimos seus trotes ecoando pelos corredores e móveis antes de cedermos ao sono.
Lóki diverte-nos com sua peraltice incorrigível, e Maya deleita-nos com seu charme arrebatador (como é linda!).
Juntos, eles me ensinam paciência, pois não dão seu afeto na primeira hora ou incondicionalmente – tente pegá-los no colo sem suas concordâncias, por exemplo, e eles se debaterão até se livrarem. Quando estiverem prontos, eles mesmo se oferecerão a carícias e colos, como uma concessão a nós.
De manhãzinha, perto do nascer do sol, ambos vêm para nossa cama de casal. Maya se acomoda em posição de esfinge sobre meu peito ou barriga, e Lóki se enrodilha no espaço entre minhas pernas cobertas, onde sempre tem um travesseiro para amortecer o contato de meu fêmur operado com o colchão ortopédico.
E assim ficam até eu fazer o primeiro movimento de acordar, que eles brindam com lindas espreguiçadas e miados de “bom dia”.
É enganosa a ideia de que gatos não sabem amar. Amam um amor não-servil, mas inequívoco, cheio de presenças silenciosas, olhares demorados, mordidinhas indolores e chamegos de corpo todo em nossas pernas.
Impossível não amá-los de volta com a mesma dignidade.
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